Sem açúcar ou adoçante
Redução do consumo de bebidas adoçadas pode evitar mortes
Relatório recém-publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aponta que até 2,2 milhões de óbitos prematuros podem ser prevenidos nos próximos 50 anos com a tributação de produtos como refrigerantes e sucos de caixinha
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a ACT Promoção da Saúde lançaram, no último dia 10 de junho, a publicação “Tributação das bebidas adoçadas no Brasil – Para que tributar as bebidas adoçadas e como implementar essa política que faz bem para a saúde, a economia e a sociedade”. Esse relatório, que aposta no projeto de tributação de bebidas adoçadas como uma forma de combater a epidemia de obesidade no mundo, aponta que essa medida por evitar até 2,2 milhões de mortes prematuras nos próximos 50 anos. Afinal, com a tributação, haveria um aumento no valor desses produtos, desestimulando o consumo. Além disso, o relatório oferece dados como: a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda até 12 colheres de chá de açúcar por dia, e só uma lata de refrigerante, por exemplo, já tem 7,5. E ele ainda aponta que refrigerantes e sucos de caixinha diets, adoçados com adoçantes artificiais, também têm um impacto negativo importante sobre a saúde, não apenas aqueles que levam açúcar.
Os refrigerantes são exemplos de bebidas açucaradas — Foto: Internet
Mas, afinal, você sabe o que é considerado bebida açucarada? De acordo com um estudo publicado no British Medical Journal (BMJ), são aquelas que contêm mais de 5% de açúcar em sua composição, como refrigerantes, sucos de fruta, chás e cafés adoçados, milkshakes e energéticos. Para explicar os dados obtidos nesse relatório o impacto que a redução do consumo de bebidas açucaradas pode ter em termos de saúde e desempenho esportivo, o Eu Atleta conversou com o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Cesar Boguszewski, e com o médico endocrinologista Ricardo Oliveira.
O relatório
Dados revelam que bebidas açucaradas foram associadas a um maior risco de incidência de diversas doenças — Foto: Reprodução/ACT e OPAS
A fim de promover ganhos para a saúde, economia e sociedade, a OPAS e a ACT lançaram, juntas, um relatório acerca das bebidas açucaradas e de como a implementação da política de tributação das mesmas poderia melhorar os âmbitos citados. Confira alguns dados interessantes presentes na publicação:
– O consumo de bebidas açucaradas está associado a maior risco de obesidade na infância e na vida adulta, cáries, diabetes tipo 2, hipertensão e uma série de outros problemas de saúde;
– O consumo excessivo de açúcar é uma das principais causas do excesso de peso e, consequentemente, de doenças relacionadas;
– O consumo de dois ou mais copos de bebidas adoçadas por dia foi associado a um risco 17% maior de morte prematura;
– O consumo de dois ou mais copos de bebidas adoçadas com açúcar por dia foi associado a um risco 59% maior de morte por doença do aparelho digestivo;
– O consumo de dois ou mais copos de bebidas adoçadas com adoçantes por dia foi associado a um risco 52% maior de morte por doenças circulatórias;
– Uma única lata de refrigerante contém, em média, 7,5 colheres de chá de açúcar quando o limite máximo aconselhado pela OMS para um adulto é de 12 colheres de chá de açúcar para um dia inteiro (considerando a recomendação de não ultrapassar 10% do total de calorias consumidas);
– Apesar de serem altamente calóricas, as bebidas açucaradas têm um baixo valor nutricional e contribuem pouco para a saciedade;
– A OMS recomenda que a ingestão diária de açúcar não ultrapasse 10% do consumo total de calorias, sendo preferencialmente menor que 5%.
Por essas razões, a adoção de uma tributação específica para bebidas açucaradas tornou-se uma recomendação da OMS e vem se mostrando uma ferramenta efetiva nos países em que já foi implementada. Evidências demonstram que uma tributação que afete o preço dos produtos resulta na redução do consumo, ajuda na conscientização da população, que passa a fazer escolhas alimentares mais saudáveis, e ainda fornece uma nova fonte de recursos, que podem ser usados para financiar programas e serviços sociais e de saúde pública, potencializando ainda mais os ganhos para a população.
O brasileiro consome, em média, 18 colheres de açúcar por dia, enquanto a recomendação máxima é de 12, segundo a OMS. Então, reduzir o consumo de bebidas açucaradas tem se mostrado uma estratégia um tanto quanto necessária para melhorar os níveis de saúde em geral. No entanto, pode ser preciso mexer no bolso para isso. Exemplos de outros países, como é o caso do estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, em que houve uma redução do consumo de açúcar após a maior taxação de impostos sobre as bebidas açucaradas, podem ser modelos para o Brasil se pautar.
– Acredito que nós, brasileiros, podemos utilizar e trazer para nossa realidade esses exemplos que deram certo em outros países. Então, talvez essa orientação de aumento dos impostos possa ser uma estratégia válida do ponto de vista de saúde pública, no sentido de reduzir o consumo e, por conseguinte, a incidência de obesidade – opina Ricardo Oliveira.
De que forma o açúcar age no corpo?
De acordo com Cesar Boguszewski, o açúcar é um combustível, uma fonte de energia (carboidratos), podendo aparecer na forma de glicose, frutose ou sacarose. Basicamente, tudo que ingerimos se transforma em um desses açúcares. A glicose é o principal combustível que temos para as células funcionarem e, quando adquirimos esses nutrientes, ou nosso organismo utiliza isso para o funcionamento de todas as células e todos os órgãos, ou guarda sobre a forma de glicogênio, no fígado e no tecido muscular. Cronicamente, se a pessoa tiver uma ingestão muito alta de carboidratos, ela começará a acumular isso no tecido adiposo, que resulta em um excesso de adiposidade, o que chamamos de obesidade.
– Diversos estudos apontam para uma relação entre um consumo maior de açúcar refinado e uma maior a taxa de doenças metabólicas, como obesidade, síndrome metabólica, diabete tipo 2, dentre outros. Um dos grandes motivos dessa associação é pelo fato de o açúcar refinado se tratar de um alimento com uma alta densidade calórica, de modo que é possível se ingerir grandes quantidades de calorias em quantidades pequenas de açúcar. E isso é ainda mais verdadeiro quando falamos de bebidas açucaradas, onde o indivíduo consegue fazer uma alta ingestão calórica de uma vez, como quando ingere sucos de caixinha e refrigerantes – aponta Ricardo Oliveira.
Contudo, Cesar Boguszewski destaca que a obesidade não se dá só pelo açúcar em si, mas pela alta ingestão de calorias e, na população brasileira, vale ressaltar que o consumo de carboidratos é muito alto. Em relação às bebidas açucaradas, por serem extremamente ricas em açúcares, elas promovem um grande aumento da obesidade e suas consequências ao longo do tempo.
Obesidade e na diabetes
Segundo Cesar Boguszewski, com a obesidade, o excesso do tecido gorduroso no corpo – principalmente se essa gordura for a chamada visceral, aquela que fica na região do abdômen, entre as vísceras – cria um processo chamado de resistência insulínica. Ou seja, o mecanismo de ação da insulina, que é produzida no pâncreas e que deve pegar esse açúcar que a gente consome e jogar para dentro das células, fica comprometido.
– É como se você imaginasse um carro: ele precisa de gasolina, e a gasolina seria a glicose. Essa gasolina tem que entrar no tanque do carro, mas não entra facilmente sozinha, precisa daquela bombinha do posto de gasolina para o carro funcionar. Imagine que ali onde vai entrar a bomba de gasolina do nosso carro está meio enferrujado e ali cria uma resistência para aquela bombinha poder entrar e jogar a gasolina pra dentro do tanque (como o excesso de tecido gorduroso faz com as céluas do nosso corpo). Então isso seria mais ou menos o mecanismo de resistência insulínica, que vai levar, inicialmente, a uma compensação do pâncreas produzir muita insulina (hiperinsulinemia) e, dependendo de outros fatores genéticos, ambientais, de nutrição, etc, o indivíduo vai, com o tempo, desenvolver uma falha da produção dessa compensação (produção de mais insulina e de mais uso dessa bombinha do tanque). E aí acontece o aparecimento do diabetes. Então, o diabetes tem uma relação muito direta com o excesso de peso: à medida que a população engorda muito, também aumenta muito a prevalência de diabetes – explica o médico.
Junto a isso, a pressão arterial, a gordura do sangue, o colesterol e os triglicerídeos aumentam e, tudo isso em conjunto representa o que leva o nome de síndrome metabólica. Para completar, a obesidade também está associada ao desenvolvimento de neoplasias (cânceres). Existem vários tipos de câncer, como o de ovário, mama, intestino, tireoide, entre outros, os quais têm uma alta prevalência em indivíduos com obesidade. Além disso, câncer, diabetes, hipertensão, quadros de dislipidemia etc, levam a um aumento de risco de infarto agudo do miocárdio, de doença vascular cerebral e acidente vascular cerebral (AVC).
Desempenho esportivo
O carboidrato é o principal substrato energético dos esportistas, de modo que é importante que os atletas profissionais e amadores tenham a ingesta adequada desse grupo alimentar em sua dieta.
– Em tempos de dietas como jejum intermitente e da prática de aeróbico em jejum, gostaria de destacar aqui que, para performance esportiva, é, sim, importante uma ingestão suficiente de carboidratos, em especial na refeição que precede a atividade física. Então, nas refeições pré-treino em geral, o indivíduo deve ingerir uma quantidade de 1 a 4 g/kg de carboidrato. No caso do indivíduo que treina, por exemplo, pela manhã, muito cedo, ou em jejum, a refeição mais importante vai ser a refeição da noite – destaca o médico endocrinologista Ricardo Oliveira.
Contudo, para apontar exatamente qual o impactos que a ingestão de açúcar tem sobre o desempenho esportivo, Cesar ressalta que isso vai depender de alguns fatores, como modalidade esportiva, tipo de exercício físico, tipo de consumo de carboidrato e se isso é feito agudamente a longo prazo.
Aqui não existe uma resposta simples e fácil para dar. O que podemos dizer é que a atividade física é muito importante para a população, como todos sabem. Afinal, durante a prática física, o indivíduo utiliza todo o seu sistema muscular, e o músculo, para funcionar, tem que captar a glicose do sangue. A partir disso, tirando a glicose do sangue, melhora-se a resistência à insulina. Portanto, a atividade física é uma aliada importante no combate da obesidade, do diabetes e de outras doenças. Ademais, somada uma alimentação saudável à prática regular de exercício físicos, tem-se, a longo prazo, uma manutenção do peso corporal e uma redução da incidência de todas as complicações já citadas – explica o especialista.
A vida é mais doce sem bebidas adoçadas
Tendo em vista a saúde, é importante reavaliar os hábitos alimentares, como consumir refrigerante em excesso — Foto: Internet
A própria Sociedade Brasileira de Diabetes preconiza que exista um limite no consumo de açúcar refinado, visando evitar o desenvolvimento de obesidade e também tratar os indivíduos que já têm obesidade, e o mesmo é válido para os pacientes com diabetes, seja tipo 1 ou tipo 2.
– Combater o excesso de peso a obesidade na população é uma coisa extremamente importante em termos de saúde pública, porque os maiores gastos que o Governo tem em saúde pública, com o Ministério da Saúde e o SUS, são com doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes, hipertensão, câncer. Então, qualquer medida tomada para diminuir a prevalência de obesidade na população colabora para a diminuição da prevalência dessas doenças. Com a diminuição dessas doenças, há um impacto econômico extremamente importante, pois são gastos bilhões de reais todos os anos para o seu combate e tratamento. Sendo assim, ao prevenir, haverá uma redução do risco dessas doenças e uma redução dos gastos da saúde pública no seu tratamento e, logo, uma possibilidade de usar os recursos de saúde pública em outros quadros clínicos – explica Cesar Boguszewski.
Um dos fatores que mais contribuem para a prevalência de excesso de peso e obesidade é o consumo excessivo de alimentos ricos em açúcar. Por isso, para enfrentar a epidemia de obesidade e doenças relacionadas a ela, a OMS passou a recomendar a redução do consumo de açúcar para menos de 10% do total de calorias diárias, sendo preferencialmente menor que 5%. Mas, afinal, de que forma implementar isso na alimentação cotidiana das pessoas? Trabalhos feitos em outros países, principalmente nos Estados Unidos, mostram uma correlação direta entre a ingestão de bebidas açucaradas, como refrigerantes, chás adoçados e sucos de caixinha, e a obesidade na população americana. Ou seja, nos estados americanos em que a ingestão de frutose e dessas bebidas açucaradas é maior, há uma prevalência maior da obesidade e dessas doenças consequentes também.
– Existem vários estudos no mundo, como em países europeus, países asiáticos, alguns estados americanos e mais recentemente no México, onde foi feita a taxação desses produtos de bebidas açucaradas, aumentando, então, os impostos sobre essas bebidas. Um estudo bem recente no México, feito em 2014, mostrou já uma redução muito importante no consumo dessas bebidas após o aumento de preço das mesmas. Por conseguinte, percebemos uma redução das doenças consequentes ao consumo exagerado dessas bebidas açucaradas. E, portanto, sobra uma poupança de dinheiro da saúde pública pra ser investida em outros problemas de saúde pública – aponta o presidente da SBEM.
De acordo com Cesar Boguszewski, todas as pessoas, independente de terem ou não diabete, não deveriam consumir esses produtos açucarados, bem como deveriam reduzir muito o consumo de alimentos ultraprocessados. Afinal, esses alimentos não têm valor nutritivo nenhum, são ricos em açúcar, sal e aditivos como conservantes e aromatizantes e seu consumo a longo prazo pode levar a diversas doenças.
Na população com obesidade e diabetes, essa redução é praticamente uma parte do tratamento. Nós orientamos para que eles não consumam esses tipos de produtos exatamente por não possuírem valor nutritivo, piorarem o quadro de obesidade da síndrome metabólica e podem levar a essas consequências que eu falei a longo prazo de doenças cardiovasculares, doença cerebrovascular, câncer, etc. Portanto, nessas populações, a minha orientação como médico é para que se evite ou reduza ao máximo o consumo de açúcares a partir desses produtos e também de alimentos ultraprocessados, ricos em calorias e em açúcares – finaliza o presidente da SBEM.
Por: Marina Borges, para o Eu Atleta — Bauru, São Paulo
Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a ACT Promoção
Organização Mundial da Saúde (OMS)
Sociedade Brasileira de Diabetes
Cesar Boguszewski,presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Ricardo Oliveira,médico endocrinologista
Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/nutricao/noticia/reducao-do-consumo-de-bebidas-adocadas-pode-evitar-mortes.ghtml