Salsicha, presunto: como carne processada é feita e qual relação com câncer
A salsicha, a linguiça e o bacon podem até dividir espaço com o lagarto, o patinho e o coxão duro no açougue, mas, ao contrário dos cortes cárneos, esses produtos não são carne in natura. Assim como o presunto, o peito de peru, o salame e a mortadela, eles são exemplos das chamadas carnes processadas.
“A maioria das carnes processadas contém carne suína ou bovina, mas também pode conter aves e miudezas, como o fígado, ou subprodutos de carne, como sangue”, diferencia Dirce Maria Lobo Marchioni, professora do Departamento de Nutrição da FSP/USP (Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo)
A mistura de carnes é permitida, contanto que isso esteja previsto no regulamento técnico. Segundo Marise Aparecida Rodrigues Pollonio, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), todas as carnes processadas no Brasil que são inspecionadas possuem padrões de identidade e qualidade definidos pelos regulamentos técnicos de identidade e qualidade, ou RTIQ, dos produtos de origem animal.
Foto: Reprodução/Internet
Esses padrões são regulados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e aprovados por órgãos de legislação, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
Apesar de seguras do ponto de vista sanitário, carnes processadas podem conter altos teores de sódio e gordura. Antes de chegar aos frigoríficos, elas são transformadas por meio de procedimentos que realçam o sabor ou melhoram sua preservação, incluindo a salga, a cura (adição de sais), a fermentação e a defumação (exposição dos alimentos à fumaça) —daí a nomenclatura “processada”
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Algumas dessas etapas de produção, como a adição de conservantes, também podem causar prejuízos ao organismo. Em 2015, a Iarc (Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer), que faz parte da OMS (Organização Mundial da Saúde), adicionou a carne processada em sua lista de grupo 1 de carcinogênicos para os quais já existe evidência suficiente de ligação com o câncer, por exemplo.
VivaBem ouviu engenheiros de alimentos, nutricionistas e médicos para explicar como a carne processada é feita e por que seu consumo exagerado pode aumentar o risco de desenvolver doenças crônicas.
Mortadela e salsichas: carnes, retalhos e aditivos
Na maioria das vezes, salsichas são produzidas a partir de cortes cárneos menos nobres Foto: Reprodução/Internet
No preparo das mortadelas e salsichas, em geral são utilizados cortes cárneos menos nobres (carne de “segunda”). Também podem ser usadas as chamadas “carnes mecanicamente separadas”, CMS, isto é, ossos e carcaças de aves, bois ou suínos que foram desossados e convertidos em matéria-prima para produção de carnes processadas.
Esses ossos e carcaças precisam ter sido aprovados para consumo humano pelo SIF (Serviço de Inspeção Federal). Jheniffer Medeiros Campos Guerra, nutricionista e pesquisadora do Laboratório de Origem Animal da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), explica que a indústria utiliza a CMS para reduzir o custo dos embutidos e não desperdiçar a carne que não pôde ser removida manualmente nos frigoríficos.
“Se formos imaginar um bovino, que é um animal grande, de 500 kg, é comum sobrar um retalho de carne, que fica preso na carcaça, depois de terem sido feitos os cortes. Pode sobrar 15% de carne, por exemplo, e isso significa muito dinheiro, então a indústria aproveita essa carne aderida aos ossos”, diz a especialista em carnes.
Esses cortes são moídos congelados, levados para um equipamento chamado “cutter” (do inglês cut, que significa cortar) e, então, misturados com gelo, sal e aditivos, como o nitrito e fosfatos. Também podem ser adicionados amido e proteínas de origem vegetal.
Depois, os componentes são misturados até formar uma massa fina (tecnicamente conhecida como emulsão), que consiste em uma mistura de carne com a umidade de sua gordura, água, sal e aditivos.
Por fim, a mistura é embutida —ou seja, introduzida— em um envoltório adequado, que pode ser a tripa de um boi, por exemplo. O preparo é cozido e resfriado para comercialização.
Presunto vem de uma porção muscular e apresuntado é mistura
Tanto o presunto quanto o apresuntado são produtos reestruturados à base de carne suína Foto: Reprodução/Internet
Segundo Guerra, o presunto é a única carne processada cuja composição não envolve misturas cárneas: ele é feito a partir de uma porção muscular suína. Já o apresuntado também inclui diferentes tipos de carne.
Tanto o presunto quanto o apresuntado são produtos reestruturados à base de carne suína que recebem uma salmoura. “É semelhante a quando queremos temperar um corte inteiro de pernil em casa e deixamos de um dia para outro nessa marinada”, compara Pollonio, professora da Unicamp.
Essa salmoura é aplicada em cortes de pernil via injeção em peso calculado. Depois, os cortes vão para um equipamento, onde ocorrem “etapas de tombamento” para distribuir os ingredientes no interior do músculo animal.
As porções são embutidas e colocadas em formatos especiais para cozimento. Em seguida, são desenformadas e embaladas, podendo ser comercializadas em fatias.
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Hambúrguer, bacon e empanados
Os hambúrgueres de caixa, disponíveis nos supermercados, são produtos cárneos elaborados exclusivamente de carne de diferentes espécies. Podem ou não conter condimentos, e são moldados e congelados.
A origem do bacon é a carne da barriga do porco. A porção suína passa por um processo de salgamento e defumação, muitas vezes sendo exposta à fumaça artificial.
No caso dos empanados, como os nuggets, o ponto de partida é um substrato, que pode ser um filé marinado inteiro ou uma matéria-prima reestruturada.
“Eles recebem a adição de camadas conhecidas como pré-dust, batter e breader, que se assemelham a processos de empanamento artesanal, porém com muito mais estabilidade e segurança”, descreve Pollonio.
Salames e outros
Salames são produzidos principalmente a partir de cortes de carne suína e bovina no Brasil Foto: Reprodução/Internet
Para a produção, são utilizadas matérias-primas cárneas —no Brasil, principalmente suína e bovina. Elas são moídas com sal e alguns aditivos e embutidas em envoltórios permeáveis.
Em câmaras climatizadas com controle de temperatura e umidade relativa, é onde acontece o processo de fermentação com acidificação controlada e secagem em até cerca de 30% de peso original. Isso permite com que o salame fique estável para ser armazenado fora da geladeira. “Mas, se for fatiado, deve ser conservado obrigatoriamente sob refrigeração”, diz Pollonio.
Existem ainda os produtos frescais (que precisam ser conservados sob refrigeração) ou congelados, como linguiça, cortes marinados, aves de Natal e lombos congelados. Estes são temperados, preparados de acordo com seu padrão de identidade e comercializados.
Quais são os riscos à saúde
A Iarc (Agência Internacional para Pesquisa de Câncer), um braço da OMS, publicou em 2018 um grande estudo que chegou a conclusões sobre o risco carcinogênico para humanos do consumo de carne vermelha e carne processada.
Marchioni, da FSP-USP, explica que algumas etapas do processamento de carne, como a cura e defumação, podem resultar na formação de produtos químicos cancerígenos, incluindo compostos N-nitrosos e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.
Compostos carcinogênicos, diz a pesquisadora, ligam-se formando compostos (adutos) que, se não reparados, provocam mutações.
Além disso, carnes processadas podem receber aditivos além do sal, como os compostos fixadores de cor (os nitratos), que fazem mal à saúde.
Tais substâncias são utilizadas na indústria alimentícia para limitar o crescimento de bactérias nocivas. Os nitritos e nitratos não são, por si próprios, cancerígenos. Ambos são compostos químicos naturais que contêm nitrogênio e oxigênio e estão presentes na água, no solo e em vegetais, como na beterraba e no espinafre.
O problema é que, ao reagir com alguns compostos, como os aminoácidos (presentes nas proteínas), eles podem formar substâncias com potencial nocivo à saúde, como as nitrosaminas, estas sim carcinogênicas.
Sabiamente, explica Marchioni, a natureza fez com que a maioria dos vegetais que contêm consideráveis concentrações de nitratos também seja rica em antioxidantes (vitamina C, vitamina E e polifenóis), que previnem as reações químicas indesejadas, o que não acontece no caso dos alimentos processados.
Embora agências reguladoras no mundo todo estabeleçam limites para a adição desses compostos —no Brasil, por exemplo, é de 150 mg por quilo de alimento—, o consumo exagerado de carne processada desperta preocupação.
Fábio Guilherme Campos, ex-presidente e membro titular da SBP (Sociedade Brasileira de Proctologia), ressalta que o câncer de intestino é resultado da interação de dois fatores, genético e comportamental —este último é o que engloba a alimentação.
“A degradação da gordura da carne processada no intestino pode gerar algumas substâncias nocivas ao organismo, então, se você come muita gordura e pouca fibra, não vai gerar ácidos graxos de cadeia curta, que são protetores, e ao longo da vida haverá um desbalanço”, diz ele, que também é professor da Faculdade de Medicina da USP.
Além de aumentar o risco de alguns tipos de câncer, a ingestão de carne processada também pode aumentar o risco de outras doenças crônicas, como AVC e diabetes tipo 2, em função da quantidade de gordura e sódio.
O Inca (Instituto Nacional do Câncer), ligado ao Ministério da Saúde, recomenda que o consumo desse tipo de proteína animal seja totalmente evitado ou, ao menos, reduzido.
“Três vezes por semana, por exemplo, é um exagero”, analisa Campos
por: Camila Mazzotto
De VivaBem, em São Paulo
Fonte: Jheniffer Medeiros Campos Guerra, nutricionista e pesquisadora do Laboratório de Origem Animal da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)
Fábio Guilherme Campos, ex-presidente e membro titular da SBP (Sociedade Brasileira de Proctologia)
Pollonio, professora da Unicamp
SIF (Serviço de Inspeção Federal)
Inca (Instituto Nacional do Câncer)
Transcrito: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/08/01/salsicha-bacon-mortadela-entenda-como-e-feita-a-carne-processada.htm