Riscos do efeito Jat-lag provocado por eletrônicos
Luzes durante a noite causam disfunção do hormônio melatonina, que além de insônia pode causar diversas doenças e até prejudicar o desenvolvimento fetal.
O pesquisador José Cipolla Neto, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, irá propor, durante a XXXIV Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), diretrizes médicas para a reposição do hormônio melatonina, que atua no ciclo de dia-e-noite do organismo. Conhecida por causar o efeito jat-lag durante viagens entre lugares com fusos horários muito diferentes, a melatonina é produzida pelo corpo à noite, apenas no escuro – e sua produção é bloqueada pela exposição à luz, principalmente as azuis emitidas por aparelhos eletrônicos.
A baixa produção desse hormônio pode causar sintomas variados, pois interage amplamente com vários sistemas do corpo, como o sistema imune, reprodutor, respiratório, inclusive o Sistema Nervoso Central, metabolismo energético, dentre outros. No entanto, o pesquisador Cipolla Neto argumenta que, apesar da grande relevância médica, agravada pelos fatores culturais e sociais da vida contemporânea, a reposição deste hormônio ainda é muito negligenciada pela prática médica. “Sem dúvida, as análises dos ritmos biológicos do indivíduo e, em particular, as características do sono são fatores absolutamente relevantes que deveriam ser discutidos em qualquer consulta médica”, afirma.
No entanto, o pesquisador ressalta que a reposição de melatonina deve ser cuidadosamente calculada para cada pessoa. Apesar de não oferecer toxicidade (nem mesmo em altas doses), os efeitos do excesso de melatonina são indesejáveis, tal como dor de cabeça semelhante à ressaca, ou até depressão. “A administração deve ser feita sempre à noite, referenciada pelo horário habitual de dormir (30 a 60 minutos antes), mas a prescrição tem que ser ajustada sempre individualmente, pois a dosagem deve ser tal que não se estenda até a manhã seguinte”, explica.
Além disso, o tipo de liberação do medicamento, de forma rápida ou lenta, também deve ser adequado para cada tipo de pessoa. Por exemplo, aquelas que em geral dormem por muitas horas provavelmente produzem o hormônio por mais tempo do que as que precisam de menos horas de sono. Além disso, pessoas que são mais produtivas durante a manhã geralmente têm uma produção natural de melatonina que começa à tardinha, enquanto as que são mais produtivas à tarde ou noite somente começam a produzir o hormônio mais tarde durante a noite (e é possível que ainda não se sintam bem dispostas muito cedo, quando ainda estariam com melatonina circulante no corpo). Todos esses fatores – além da idade, peso e condição clínica – devem ser levados em consideração na hora da prescrição.
Cipolla Neto ressalta que a maioria dos estudos clínicos e patentes desenvolvidas no mundo em torno do uso de melatonina como terapia são direcionados para casos de distúrbios do sono. Afinal, este é o sintoma mais fácil de ser identificado e correlacionado aos níveis de melatonina circulantes no sangue. Porém, a disfunção nesse hormônio pode gerar uma vasta gama de sintomas clínicos envolvendo o Sistema Nervoso Central, fígado, pâncreas, rins, trato reprodutor, tecido adiposo, sistema imunológico e cardiovascular, dentre outros, que serão abordados detalhadamente pelo pesquisador na palestra e foram descritos recentemente num artigo publicado da revista científica Endocrine Reviews. Um importante fator, ainda pouco conhecido pela comunidade médica pois foi identificado recentemente, é o papel fundamental da melatonina em grávidas e lactantes. Apesar de essencial para o desenvolvimento saudável do feto e bebê, a única melatonina da qual eles dispõem é a proveniente da mãe, que circula livremente pela placenta e amamentação.
Portanto, o pesquisador ressalta que o modo de funcionamento das sociedades urbanas deve ser levado mais em conta pelas práticas médicas, já que depende da presença de luzes interiores durante a noite e inclui o uso abundante de dispositivos eletrônicos, cujas telas são ricas em luz de comprimento de onda azul. “A luz durante a noite atrasa o início de secreção de melatonina e enfraquece seu pico noturno, causando privação de sono e aumentando o risco para outras doenças graves”, completa. “É necessário levar em consideração a atuação da melatonina principalmente durante a gravidez e em diversas síndromes clínicas, para além dos distúrbios do sono.”
A XXXIV Reunião anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental acontece de 09 a 13 de setembro, em Campos do Jordão. A FeSBE é uma entidade que reúne 22 sociedades científicas e milhares de pesquisadores em todo o país.
Por: Eliane Belleza e Claudia Jurberg
Fonte: José Cipolla Neto,pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP