Por que festas de final de ano engordam mais do que uma quarentena inteira.
Nos últimos nove meses ficamos longe de pessoas queridas e perto da geladeira de casa. As horas no sofá foram eternas e momentos de atividade física, abreviados. Daí que alguns entram em 2021 pesando mais do que na virada do ano anterior e acusam —talvez justamente— esse pandemônio.
Mas fique esperto: para quem tem tendência a ganhar uns quilos, é hoje que oficialmente começa o período de maior atenção. Com ou sem passas, a ceia desta noite, o almoço de amanhã, mais tudo o que virá na semana seguinte, incluindo o espumante do Réveillon, poderão ser lembrados depois. Quero dizer, bem depois. Talvez para sempre. Pelo resto de sua vida, já pensou?
Pois o que ouvi do endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Federação Latino-Americana de Obesidade (FLASO), contraria o senso comum: “Boa parte do aumento de peso que a maioria das pessoas nota com o passar dos anos vem de pequenos saltos nos ponteiros da balança, seguidos de pequenas perdas. Não é um contínuo, isto é, engordando aos pouquinhos, como muita gente imagina”, diz ele.
Você conhece a história: nesta época, a pessoa ganha 2 quilos em um intervalo relativamente curto de tempo e daí, na primeira segunda-feira do ano novo, inicia a dieta. Quem nunca? Mas então ela dificilmente emagrece os mesmos 2 quilos. Ou, se perde tudo isso, basta piscar os olhinhos para um brigadeiro para reconquistar pelo menos parte do peso eliminado. “Aí é que está: esses pequenos saltos repentinos de peso em geral não são totalmente compensados depois”, observa Halpern.
Há exatas duas décadas, cientistas do Instituto Nacional de Saúde e da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, já associavam o fenômeno com as festividades de dezembro. Eles acompanharam o peso de 195 indivíduos adultos, que subiram na balança em intervalos de seis a oito semanas.
Os participantes fizeram isso, primeiro, em um período que os pesquisadores chamaram de pré-festas, entre o finalzinho de setembro e meados de novembro. Vale lembrar que os americanos comemoram o Dia de Ação de Graças neste mês, com pompa, peru e circunstância.
A segunda pesagem foi justamente no período cheio de festas e férias, entre novembro e primeira quinzena de janeiro. A terceira vez foi entre o final de fevereiro e o começo de março, para que os estudiosos pudessem ver o que tinha acontecido no que chamaram de período pós-festas. E a última checagem foi realizada em setembro ou em outubro, ou seja, um ano após o início de tudo.
Para resumir, as pessoas ganharam cerca 1,5 quilo na pausa festiva do final de ano. Mas, nos meses seguintes, não eliminaram tudo isso. Resultado: chegaram em setembro seguinte pesando 480 gramas a mais, em média.
De lá para cá, alguns outros trabalhos apontaram na mesma direção e parece que, mesmo quando não se engorda muito, o fato de adquirir peso de uma hora para outra dificulta as coisas.
“As pessoas acham que são poucos dias comendo além da conta e que está tudo certo porque poderão perder esses quilos depois, mas não é bem assim”, diz Halpern. “E isso vale para crianças também. Existem vários estudos mostrando que meninos e meninas com obesidade tendem a ganhar mais peso nas férias e, depois que voltam às aulas e à rotina normal, não emagrecem tudo.
Seu organismo não aceita perder
Não tire conclusões precipitadas, porque uma minoria entre nós carrega o gene da magreza. É sério isso: ao contrário, a maioria da humanidade carrega uma boa quantidade de genes que, em uma explicação simplista, tentam segurar todo o estoque de energia que você por acaso puder conseguir —em festas, férias, fast-food, qualquer ocasião que ofereça a jaca para alguém pisar.
Bem, o estoque de energia fica bem guardado em suas células gordurosas. E, por causa desses genes, uma vez que você engorda, ao perder peso seu organismo se revolta. Tende a diminuir o seu metabolismo e a aumentar sua fome. Enfim, faz de tudo para recuperar aquilo que um dia conquistou —gordura no corpo. Talvez essa seja parte da explicação para outro detalhe que Bruno Halpern comentou: “Para quem já ganhou muito peso no passado e conseguiu emagrecer —vamos imaginar, uns 15 quilos— , não é preciso nem sequer exagerar tanto à mesa das festas de final de ano para terminar com 2 ou 3 quilos a mais”.
Ou seja, é como se engordar alimentasse a tendência a engordar. E quanto maior a oscilação do ponteiro da balança —primeiro subindo e depois descendo—, mais fácil subir novamente. A triste consequência disso: “Entre o final de um ano e o início de outro é a época em que as pessoas mais abandonam o tratamento da obesidade, justamente porque engordam”, observa o endocrinologista. “Eles ficam frustradas e desistem. Ou, pior, sentem vergonha de voltar aos profissionais de saúde que cuidam do seu caso, o que não deveria fazer sentido.”
O que fazer então?
Neste ano, infelizmente, para todos nós —ou para os que têm juízo— as festas estão diferentes. Para poupar a nossa saúde e a de quem nos cerca, as reuniões são menores, cada um na sua casa comemorando com aqueles que moram sob o mesmo teto, de preferência.
“Mas isso não necessariamente quer dizer que a oferta de comida será menor. Talvez, ao contrário, as pessoas podem até comer mais nessa situação”, imagina Bruno Halpern. Não é improvável —ou porque foi preparado o mesmo banquete de sempre ou porque pode bater aquela vontade de compensar um estado de espírito que não anda exatamente natalino. Vai saber!
Mas ninguém quer dizer que a gente não possa ter prazeres em ocasiões especiais assim, saborear as receitas de família, brindar com quem estiver ao lado, experimentar uma nova sobremesa. “É lógico que, em um dia festivo, eu vou comer mais do que em um dia normal da semana”, reconhece Halpern. “Mas comer a mais é diferente de comer sem controle”, pontua.
O médico menciona um estudo que acompanhou pessoas que perderam muito peso e que conseguiram se manter na nova forma. O objetivo era descobrir qual o segredo para não voltar a engordar. E um deles seria uma espécie de atitude mental: essas pessoas sempre comem menos do que poderiam, até mesmo em festas. “Geralmente, elas se planejam, pensando antes de ir no que pretendem consumir”, conta Halpern.
Desse modo, é como se fizessem um pacto consigo mesmas, se vão tomar ou deixar de tomar uma taça de vinho, se vão provar a sobremesa sem repeti-la e assim por diante. Segundo Bruno Halpern, outro aspecto bom da estratégia de colocar previamente limites para as coisas gostosas que serão servidas é evitar a culpa.
“Ela sempre surge quando se exagera demais e se perde o controle”, percebe. Quando isso acontece, voltamos àquele ponto problemático: o risco de jogar a toalha no chão.
Além disso, para Bruno Halpern, “os alimentos extremamente calóricos precisam valer muito a pena”. Vamos combinar que o menu de Natal é cheio deles. Duas colheres de sopa daquele mix de frutas secas e castanhas que a gente belisca fácil enquanto não servem os pratos já contabilizam perto de 140 calorias. O pavê de chocolate do tiozão? Por baixo, ele oferece umas 280 calorias. Bolo de nozes? Uma fatia pequena ultrapassa 500. E o clássico panetone, fatia fina, nunca soma menos do que 300 calorias, porque a receita leva, além do açúcar, um bocado de gordura. Isto é, 300 calorias, se não tiver coberturas magníficas, nem recheios especiais catapultando o valor energético.Se você gosta muito de panetone, a noite é esta! Então, aproveite. Deguste. Mas, se não é o caso, não pegue um pedaço só por pegar.
“Aliás, não coma nada muito calórico só por comer. Nem se sirva de algo só porque o outro também se serviu. Tampouco continue comendo alguma coisa só porque já deu a primeira mordida”, orienta Bruno Halpern.
Afastar os pequenos exageros é o que evita os tais pequenos saltos da balança. Afinal, esses cerca de 480 gramas a mais a cada Natal vão se transformar em quase 10 quilos extras daqui a 20 anos. Que Papai Noel lhe traga saúde. E que você faça a sua parte ao receber esse tão valoroso presente —se cuide! Assim chegaremos lá —confie!—, daqui a 20 Natais e sem tanto peso.
Por: Lúcia Helena Colunista UOL
Fonte: Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista Saúde, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.
Bruno Halpern, vice-presidente da Federação Latino-Americana de Obesidade (FLASO)
Transcrito: https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/lucia-helena/2020/12/24/por-que-festas-de-final-de-ano-engordam-mais-do-que-uma-quarentena-inteira.htm