Por que crianças têm mais alergias alimentares do que adultos?
A incidência de alergias alimentares tem aumentado e, apesar de ainda não se saber ao certo porquê, ela pode estar relacionada às mudanças nos hábitos de vida e ao elevado consumo de produtos industrializados nos últimos anos. Infelizmente, as crianças são mais afetadas.
No caso dos pequenos, o predomínio das alergias alimentares está nos primeiros anos de vida: cerca de 8% com até dois anos de idade sofre algum tipo; entre os adultos, o índice chega a 2%. Mas esses números são referentes ao mundo todo, pois no Brasil não há dados oficiais.
“Os dados sobre a prevalência no país e no mundo são conflitantes e variáveis, pois dependem da faixa etária e características da população avaliada (cultura, hábitos de consumo, clima), do mecanismo imunológico envolvido, do diagnóstico, do tipo de alimento, da região geográfica, entre outros. Mas a prevalência no público infantil tem crescido nas últimas décadas em todo o mundo”, diz Karla Cristina Malta Vilanova, médica nutróloga pediátrica e professora na UniFacid em Teresina (PI) e na Abran (Associação Brasileira de Nutrologia)
Por que acontece? Tem como prevenir?
Foto: Reprodução/Internet
“Ainda não se sabe ao certo porque as alergias alimentares estão em ascensão. O que se pode afirmar é que são influenciadas por predisposição genética, fatores ambientais e exposição aos alérgenos”, diz Ingridy de Melo, nutricionista clínica do PATII (Programa Avançado de Tratamento da Insuficiência Intestinal) do Hospital Infantil Sabará. Segundo ela, os pais com alguma alergia possuem probabilidade de terem filhos alérgicos maior que 70%.
Além disso, a imaturidade do sistema imunológico durante a fase de transição do aleitamento materno para a introdução dos alimentícios sólidos pode estar por trás do quadro alérgico. “O risco de o organismo reconhecer proteínas dos alimentos como inimigas é maior [nessa fase], acarretando sintomas clínicos diversos”, fala Renata Rodrigues Cocco, médica pediatra, membro do departamento científico de alergia alimentar da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia)
Sobre a prevenção, não existem evidências de que a restrição alimentícia, por exemplo, durante a gestação previna as manifestações alérgicas. De acordo com Vilanova, a alimentação da gestante bem balanceada ajuda a modular o perfil imunológico do bebê. “A maioria das sociedades científicas internacionais orienta uma dieta normal, balanceada e equilibrada, sem restrições durante a gestação e a lactação, pois não há evidências consistentes de benefícios quanto à modificação da dieta nessa fase para impedir reações alérgicas futuras.
Os especialistas afirmam que para a promoção de saúde e a prevenção de doenças, o aleitamento materno e o ato de amamentar são fundamentais a curto e longo prazo. A recomendação é que seja realizado de forma exclusiva até o sexto mês e complementado, por meio de alimentação complementar balanceada e equilibrada, até os dois anos ou mais.
Os mais alergênicos
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Existem mais de 170 alimentos potencialmente alergênicos. “No Brasil, o leite de vaca e o ovo estão entre os principais, seguidos do trigo, soja, castanhas, amendoim e frutas tropicais, como banana e kiwi. Os frutos do mar, como camarão e peixes, são mais frequentes em adultos, mas também desencadeiam episódios no público infantil”, lista o médico e presidente do Departamento Científico de Alergia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) Herberto José Chong Neto
Cocco observa que os alimentos anteriormente menos comuns de estimularem reações nessa faixa etária aumentaram muito a incidência nos últimos anos, caso do amendoim e castanhas.
A única forma de ter ciência de uma alergia é ter contato com o alimento. Se ela existir, os sintomas aparecerão e a indicação é correr ao hospital. Quais são os sintomas:
– Tosse, chiado, falta de ar
– Dor abdominal, náusea, vômito, diarreia imediatos ou tardios
– Urticária e placas vermelhas na pele
– Inchaço nas partes moles, como boca e olhos
– Queda de pressão, desmaio e tontura
A anafilaxia, ou choque anafilático, representa o acometimento de dois ou mais sistemas e pode levar à morte
Como é feito o diagnóstico
Segundo Cocco, apesar do aumento da prevalência das alergias alimentares, o excesso de diagnósticos é ainda mais expressivo. “A falta do correto diagnóstico leva a sintomas graves, potencialmente fatais, enquanto a restrição desnecessária acarreta estigmas nutricionais, psicológicos e sociais. O diagnóstico e tratamento devem ser realizados por médico experiente, preferencialmente um alergista.”
Testes de provocação oral ou os cutâneos são alguns existentes para detectar ou confirmar a reação alérgica. “A decisão de qual é o mais indicado é feita a partir da avaliação do médico que realiza o acompanhamento”, explica Melo.
Alguns alérgenos produzem reações cruzadas, quando duas proteínas alimentares compartilham parte de uma sequência de aminoácidos. No entanto, explica Vilanova, a reatividade laboratorial pode não se refletir em reatividade clínica, ou seja, há sinais laboratoriais sem a manifestação dos sintomas pelo paciente.
A dieta de exclusão é indicada por meio de avaliação médica, considerando histórico e análises físicas. Após algumas semanas da retirada do alimento, as manifestações tendem a desaparecer e, assim, cabe ao médico verificar a necessidade de realizar outro exame ou iniciar a introdução do item alimentício e observar as reações.
Se a criança permanecer assintomática e conseguir ingerir o alimento, ele será liberado. Caso ocorra qualquer resposta, a dieta de eliminação deve ser mantida. Nos pacientes altamente sensibilizados, a presença de quantidades mínimas do alimento desencadeia reação de extrema gravidade.
Para sempre?
Em geral, as alergias alimentares, quando manifestadas na infância, são transitórias. Menos de 10% dos casos persistem até a vida adulta. As respostas ao leite, ovo, trigo e soja, na grande maioria dos casos, são remitidas de forma espontânea até a segunda década de vida. Amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar são tipicamente persistentes por toda a vida.
“Não falamos em cura, mas, sim, em tolerância. A tolerância pode ser induzida por meio de um tratamento chamado imunoterapia oral, que consiste em um planejamento de tratamento para prontamente reconhecer reações graves potencialmente fatais (anafilaxia), realizado em ambiente preparado com quantidades pequenas e crescentes do alimento em questão”, elucida Neto.
De acordo com ele, a imunoterapia oral chega a atingir níveis baixos de tolerância, deixando-a protegida em caso de ingestões acidentais. Em outras, o tratamento leva à tolerância a boas quantidades do alimento que volta à dieta nutricional infantil.
E o risco de outros tipos de alergia?
Existe uma grande parcela de crianças alérgicas a alimentos que apresentam manifestações respiratórias (asma, rinite) ou cutâneas (dermatite atópica), mas não é uma regra.
“A alergia alimentar costuma ser a primeira manifestação da marcha atópica, como é conhecida a progressão sequencial de condições alérgicas diferentes, e, posteriormente, desenvolve-se outras variações”, esclarece o médico.
Por: Janaína Silva
Colaboração para o VivaBem
Fonte: Ingridy de Melo, nutricionista clínica do PATII (Programa Avançado de Tratamento da Insuficiência Intestinal) do Hospital Infantil Sabará
Herberto José Chong Neto, médico e presidente do departamento científico de alergia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria)
Karla Cristina Malta Vilanova, médica nutróloga pediátrica e professora na UniFacid em Teresina (PI) e na Abran (Associação Brasileira de Nutrologia)
Renata Rodrigues Cocco, médica pediatra, membro do departamento científico de alergia alimentar da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia)
Transcrito: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/03/03/leite-ovo-soja-alimentos-que-mais-causam-alergia-alimentar-em-criancas.htm