Por que a comida tem sido a principal recompensa emocional na quarentena
Dentro de casa, com as emoções à flor da pele em meio a tantas incertezas, a alimentação tem se tornado compensatória para a maioria das pessoas que estão se privando da vida, dos encontros e dos laços afetivos que tinham antes da pandemia. No cérebro, a explicação para essa descarga está ligada ao nosso circuito de recompensa dopaminérgico – aquele que processa a informação relacionada à sensação de prazer ou de satisfação.
O circuito cerebral do prazer, também chamado de circuito mesocorticolímbico, é formado por um pequeno grupo de regiões cerebrais nas quais são produzidos os maiores níveis de dopamina. Este circuito é ativado quando recebemos estímulos que nos dão prazer, como comer, estar entre pessoas queridas, fazer compras ou desfrutar de uma boa relação sexual.
Na ausência da maioria desses prazeres, fica por conta apenas da comida proporcionar um alívio emocional, principalmente em situações de fragilidade, como essa que o mundo todo está enfrentando.
O sistema de recompensa cerebral estabelece sensações como bem-estar, conforto, prazer e saciedade porque é composto por neurônios que se comunicam entre si por meio de um neurotransmissor principal que é a dopamina.
Os alimentos ricos em açúcar estimulam a maior quantidade de dopamina e, assim, ativam o sistema de recompensa. Por isso também que as altas fontes de carboidratos, especialmente os simples, fazem com que o corpo produza mais insulina e aumente a energia que consequentemente melhora a sensação de bem-estar. Mas tudo isso é momentâneo, não podemos esquecer que a pandemia vai passar e que é difícil correr atrás do prejuízo depois.
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Para não cair em tantas tentações, é preciso entender que o seu cérebro já sabe que comer é algo agradável, e quando você faz isso com comidas gostosas as áreas do sistema de recompensa solicitam desesperadamente que você repita essa ação, especialmente a área tegmental ventral.
Quando essa informação chega ao córtex pré-frontal (porção anterior dos lobos frontais), começa a dar lugar para racionalidade e a briga entre a razão (córtex pré-frontal) e a emoção (sistema límbico, área tegmental ventral) entra em ação. Se nessa hora você pensar em interromper esse ciclo e parar de comer, seu cérebro não vai imediatamente deixar de considerar aquela comida prazerosa, mas pode te ajudar a relembrar, redescobrir ou conhecer outros sabores que também podem ser capazes de gerar sensações de prazer, aumentando assim as possibilidades de ativação do sistema de recompensa com alimentos que não irão te causar maiores danos como diabetes, hipertensão, colesterol… E por a vai.
É por isso também que, certamente, há quem ache uma fruta mais prazerosa que um chocolate. Tudo depende da relevância atribuída e da memória relacionada a determinado alimento. Para não cair em uma cilada ainda maior, é preciso que outras áreas do cérebro, o córtex pré-frontal (que permite pensar a longo prazo), estriado dorsal (que considera fatos do passado) e núcleo accumbens (que permite fazer escolhas melhores) sejam ativadas e trabalhadas a ponto de permitir pensar a longo prazo.
Quando você se esforça, o córtex pré-frontal se sobrepõe aos outros dois. Ao repetir o processo, você consegue estabelecer um padrão e reconstruir os bons hábitos. E como fazer isso? Evitando o estresse – que é o grande inimigo do bom funcionamento do seu córtex pré-frontal.
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Se nesse momento o estresse está batendo fortemente na sua porta, algumas técnicas de meditação, respiração lenta, relaxamento, boas noites de sono, fortalecimento de laços afetivos e prática de atividade física podem te ajudar a driblar tudo isso.
Neurodicas
Para aliviar o estresse e não descontar todos os seus sentimentos na comida, algumas dicas podem ajudar:
Distraia-se e conte até dez – isso desvia o foco da situação e reduz a intensidade emocional da carência de afago;
Não demonstre a raiva, a tristeza ou qualquer outro sentimento negativo. Reduzir a expressão das emoções engana o cérebro, e também diminui a relevância mental;
Crie pensamentos alternativos, reinterprete a situação com outro ponto de vista que seja menos carregado.
Referências:
Breiter HC, Rosen BR. Functional magnetic resonance imaging of brain reward circuitry in the human. Ann N Y Acad Sci. 1999;877:523‐547
García-García I, Horstmann A, Jurado MA, et al. Reward processing in obesity, substance addiction and non-substance addiction. Obes Rev. 2014;15(11):853‐869.
Por: Fernando Gomes
Fonte: Fernando Gomes é neurocirurgião e neurocientista, graduado em medicina pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Concluiu Residência Médica em neurologia e neurocirurgia no HC (Hospital das Clínicas) da FMUSP e possui título de especialista em neurocirurgia pela SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia). É pós-graduado em neurocirurgia pediátrica pela World Federation of Neurosurgical Societies, doutor em neurotraumatologia experimental pela FMUSP e professor livre-docente pela disciplina de neurocirurgia da FMUSP. Autor de 8 livros ligados à medicina e ao comportamento humano, consultor e apresentador do quadro “E agora, doutor?” do programa “Aqui na Band” da Rede Bandeirantes de Televisão.
Transcrito: https://fernandogomes.blogosfera.uol.com.br/2020/05/22/porque-a-comida-tem-sido-a-principal-recompensa-emocional-na-quarentena/