Pandemia engorda! Veja estudo sobre lockdown e ganho de peso
Estudo aponta que americanos ganharam mais de 1 kg por mês nos momentos de mais restrição. Especialistas explicam e dão dicas
Novo estudo publicado em março no JAMA Network analisou o ganho de peso dos americanos durante os momentos de lockdown na pandemia de Covid-19 e os resultados demonstram que o isolamento social engorda. A partir de medições de parâmetros de frequência cardíaca, peso e pressão, a pesquisa apontou que adultos sob lockdown ganharam mais de meio quilo a cada dez dias, ou seja, mais de um quilo por mês. Além disso, em janeiro o instituto Ipsos publicou uma pesquisa feita com indivíduos de 30 países entre agosto e novembro do ano passado segundo a qual 31% dos entrevistados engordaram durante a pandemia, com um detalhe: no Brasil, país em que mais se ganhou peso, foram 52%. O peso é um indicador de saúde clinicamente relevante que está associado à mortalidade por todas as causas, inclusive por Covid-19, já que obesidade é fator de risco para a doença. Por isso, o Eu Atleta conversou com o médico do esporte e endocrinologista Ricardo Oliveira e com a nutricionista esportiva Sylvia Pozzobon, a fim de identificar estratégias para amenizar o ganho de peso durante os momentos mais difíceis da pandemia.
Comportamento sedentário provocado pela pandemia reflete em ganho de peso: no home office, a ausência de uma rotina com horários definidos para trabalho, descanso e alimentação tem grande influência — Foto: Internet
– Certamente os lockdowns mudaram a rotina de praticamente toda a população e é sabido que um dos pilares para ter uma vida saudável é a organização. Organização da dieta e da rotina de atividade física, trabalho, descanso e sono. Por terem promovido uma mudança drástica nas rotinas diárias dos indivíduos, os lockdowns acabaram desorganizando o dia a dia das pessoas. Atrelado a isso, a pandemia trouxe uma situação de ansiedade e medo maior, e é sabido também que, muitas vezes, o estresse e a ansiedade pode ser um gatilho para uma alimentação pior; afinal, quando estão estressadas, as pessoas podem acabar comendo pior e de maneira exagerada – aponta o médico.
Os estudos
No estudo americano, conduzido por um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, 269 pessoas que estavam envolvidas em um outro estudo de cardiologia já em andamento, chamado Health eHeart Study, foram acompanhadas de fevereiro a junho de 2020 a fim de observar as mudanças de peso antes e depois da emissão de ordens lockdown para cada estado dos Estados Unidos. Ao longo desses quatro meses, os participantes se pesaram mais de sete mil vezes em balanças conectadas por Bluetooth, o que resultou em cerca de 28 pesagens por voluntário.
– Na pesquisa, avaliou-se que cada indivíduo americano ganhou mais de meio quilo a cada dez dias, o que resulta em um ganho de mais de 1 kg por mês. Esse é um ganho de peso expressivo, principalmente em relação ao ganho de peso rápido, em pouco tempo. Ao longo dos meses, isso pode se traduzir em um ganho mais expressivo ainda. Então, o estudo chama atenção para uma percepção que vínhamos tendo na prática de consultório, que é o ganho de peso progressivo com a pandemia – explica Ricardo Oliveira.
Já o instituto Ipsos entrevistou 22.008 pessoas de 30 países entre 23 de outubro e 6 de novembro de 2020. Os entrevistados, com idades entre 16 e 74 anos, eram de África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Holanda, Hong Kong, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Malásia, México, Peru, Polônia, Rússia, Singapura, Suécia e Turquia. Segundo a pesquisa, o Brasil teve a maior porcentagem de pessoas que afirmaram ter engordado na pandemia, 52%, com uma média de ganho de peso de 6,5 kg ao longo dos primeiros seis meses – no mundo, a média foi de 6,1%. Outros dados apontam possíveis causas desse ganho: 29% dos brasileiros disseram ter diminuído a frequência de exercícios físicos e 14% afirmaram estar bebendo mais (bebidas alcoólicas). Por outro lado, 23% garantem estar se exercitando mais do que antes e 11% dizem estar bebendo menos.
Lockdowns e ganho de peso
Certamente os lockdowns mudaram a rotina de praticamente toda a população, sendo que um dos pilares para ter uma vida saudável é a organização. Atrelado a isso, a pandemia trouxe uma situação de ansiedade e medo maior, e o estresse e a ansiedade podem ser gatilhos para um descontrole alimentar, fazendo as pessoas comerem de maneira exagerada e pior. Ficar o dia todo em casa tem impacto nos horários e na frequência da alimentação, afinal. Além disso, os níveis de atividade física diminuíram drasticamente para a maioria das pessoas no período de pandemia e consequente quarentena. Deste modo, indivíduos acabaram ganhando peso, o que preocupa os especialistas, pois estudos recentes têm mostrado que indivíduos sedentários e obesos apresentaram um risco maior de desenvolver as formas mais graves da Covid-19. Mas, então, quais estratégias adotar para ser mais ativo durante esse momento?
De acordo com Ricardo Oliveira, não existe fórmula mágica, mas basicamente qualquer estratégia passa pela adoção de uma rotina saudável, priorizando pilares como sono, descanso, alimentação e atividade física.
– Organizar-se para manter esses pilares em níveis adequados é a principal recomendação para que os indivíduos possam suplantar todos esses efeitos adversos que os lockdowns trouxeram. Então, nesse momento, a palavra de ordem é organização. Organização de horas de refeição, de trabalho ou de estudo, de descanso e de atividade física – recomenda o médico.
Em relação ao processo de ganho ou perda de peso, o endocrinologista ressalta que depende do equilíbrio ou do desequilíbrio do balanço energético do indivíduo. Quando esse balanço energético é negativo, promove perda de peso; e quando ele é positivo, promove o ganho de peso. Portanto é possível, sim, reverter esse ganho de peso substancial que vem atingindo muitas pessoas na pandemia. Para isso, o caminho é virar essa balança de um saldo positivo para um saldo negativo. Em geral, um déficit calórico de sete mil calorias por semana gera uma perda de peso em torno de um quilo por semana.
Sendo assim, Ricardo destaca que o objetivo é calcular o gasto energético total do indivíduo e montar um planejamento dietético e uma rotina de atividade física de modo a se atingir um balanço energético negativo e, com isso, conseguir atingir a perda de peso necessária.
6 dicas de organização
Na pandemia, aquela pessoa que está inquieta em casa pode acabar beliscando mais ao longo do dia. Para evitar o problema, veja algumas dicas passadas pela nutricionista Sylvia Pozzobon:
1. Evite comprar e estocar em casa uma grande quantidade de alimentos calóricos, industrializados e de fácil acesso, como biscoitos, doces, salgadinhos e etc;
2. Procure começar o dia com algum tipo de atividade física em casa, antes de iniciar o home office, nem que seja uma breve sessão de treino. Esse hábito de iniciar a rotina se exercitando pode “puxar” melhores hábitos ao longo de todo o dia;
3. Tenha horários fixos para as atividades em casa, bem como horários certos para o almoço e os lanches;
4. Mantenha uma garrafa de água perto da sua estação de trabalho e não deixe de beber de tempos em tempos. Também pode alternar com chás quentes ou gelados, sem adição de açúcar. Para quem ama café, cuidado com o exagero. Muitas pessoas acabam tomando muito café para burlar lanches, o que tem impacto na qualidade do sono à noite;
5. Cozinhe mais. A comida caseira costuma ser menos calórica do que as encomendadas. Mas preste atenção para não exagerar em ingredientes como manteiga e queijos;
6. Não pule as refeições principais e não troque a comida de verdade por minilanchinhos ao longo do dia. Tente jantar comida também; muitas pessoas têm o hábito de lanchar em vez de jantar, o que pode ser um fator importante no ganho de peso a depender do tipo de lanche feito.
Silvia também nos ajudou a responder algumas dúvidas comuns:
O que são lanches a serem evitados?
– Produtos altamente industrializados (biscoitos doces e salgados, embutidos, apresuntados, refrigerantes, doces, bolos, sorvete, pipoca, sucos de caixinha). Vale destacar que essas coisas não são proibidas e podem ser consumidas em momentos pontuais dentro de uma rotina saudável, mas elas não devem fazer parte do dia a dia e do hábito alimentar – explica Sylvia.
O que são lanches gostosos e saudáveis?
Baseados em comida de verdade, como frutas, iogurte, ovos, raízes, grãos integrais, oleaginosas (com cautela pois são calóricas).
Qual a importância de fazer corretamente as “grandes” refeições para evitar beliscos? Quais estratégias adotar para conseguir fazer isso?
– Como anteriormente mencionado, ter horário fixo para almoçar e jantar é uma ótima estratégia. Evite agendar reuniões e tarefas no horário do almoço sempre que possível. Tire a hora do almoço de verdade, ou seja: saia do computador e do celular, não coma na sua estação de trabalho, aproveite o tempo restante para relaxar, descansar e aliviar o estresse. Coma com calma, sem pressa. Sabemos que nem sempre é possível, mas tente manter esse hábito a maior parte do tempo. Almoçar e jantar comida de verdade também é muito importante, isso evitará que a pessoa coma diversos lanchinhos ao longo do dia. Um bom prato de arroz, feijão, carne e salada, por exemplo, é menos calórico e muito mais nutritivo que um lanche de torradas, queijos processados, biscoitos e etc, além de promover mais saciedade – destaca a nutricionista.
Nutrição e vida esportiva
A nutrição adequada é capaz de potencializar os resultados da atividade física, seja para fins de emagrecimento, ganho de massa magra ou performance. Afinal, o individuo bem alimentado tem menos riscos de lesões e também se recupera mais rápido das sessões de treinamento. Mas há diferenças entre as recomendações alimentares para pessoas ativas fisicamente e para aquelas sedentárias? De acordo com Sylvia Pozzobon, sim.
– Mesmo treinando em casa, há variações da intensidade do treinamento e do gasto calórico a depender do treino feito. Há pessoas que montaram pequenos estúdios caseiros e estão utilizando pesos e outros equipamentos, há aquelas que eram bastante ativas antes do lockdown e permanecem assim em casa e há outras que começaram a se exercitar justamente por estarem em casa. Tudo isso precisa ser avaliado (com um profissional) antes de fazer recomendações alimentares – aponta a nutricionista esportiva.
Estratégias saudáveis para o lockdown
Hábitos saudáveis envolvendo alimentação e atividade física são estratégias importantes para perda ou manutenção peso Foto: Internet
A primeira coisa que os indivíduos que estão iniciando na prática física devem ter em mente é que não é preciso fazer exercício de modo exagerado e nem passar fome. Deve-se treinar e se alimentar de modo equilibrado. De acordo com Sylvia, deve-se ter um olhar global para sua alimentação a fim de tentar avaliar quais alimentos podem ser trocados por outros mais saudáveis, por exemplo: biscoito de água e sal no lanche com margarina pode ser trocado por fruta, pão integral e queijo magro.
– Uma regra que nunca falha é: evitar pacotinhos e buscar alimentos naturais ou seja, aqueles que vêm prontos para consumo diretamente da natureza. Isso também se aplica ao preparo dos alimentos: usar alho e cebola no lugar de temperos artificiais prontos. Se possível, fazer uma dieta individualizada prescrita por nutricionista via consulta on-line, que hoje tem sido uma ferramenta muito útil no processo de reeducação alimentar. Por meio do atendimento on-line é possível prestar uma verdadeira consultoria nutricional e orientar o paciente sobre todo processo de alimentação em casa, forma de preparo, o que comprar ou não comprar no mercado e iniciar as mudanças necessárias para melhoria do estilo de vida e alimentação – aponta a profissional.
Já as pessoas ativas, aqueles que já praticavam atividade física antes do lockdown e não estão podendo fazer seus treinamentos da maneira que antes faziam, podem se adaptar e treinar em casa. No entanto, pode ser que o gasto calórico do treino seja bastante diferente (vai depender do que era feito antes) e, nestes casos, a nutricionista explica que será necessário readequar as calorias do dia; muitas vezes não será preciso fazer grandes restrições alimentares, apenas ajustar e possivelmente reduzir um pouquinho a ingestão calórica.
– Permanecer ativo nesse período de lockdown é importante não apenas para a manutenção do peso, mas para manter a saúde como um todo. Pessoas ativas, com peso saudável e sem comorbidades são menos susceptíveis às formas graves da Covid-19, bem como apresentam menores riscos para o desenvolvimento de diabetes, hipertensão e câncer. Além disso, a pratica regular de exercícios físicos ajuda a manter o estresse sob controle, promovendo maior sensação geral de bem-estar ao praticante, ajudando a controlar a ansiedade. A liberação de hormônios ligados ao centro de prazer ocorre durante e após a prática de exercícios físicos, sendo esta uma forma potente para se manter saudável mental e fisicamente durante essa fase tão complicada que estamos vivendo – ressalta Sylvia Pozzobon.
Lista de alimentos e hábitos que devemos evitar em período de lockdown:
1. Frituras e alimentos ricos em gordura saturada e trans;
2. Alimentos ricos em sódio (sal);
3. Doces, balas, bolos, sorvetes e produtos ricos em açúcar (outros nomes para açúcar: xarope de glicose, xarope de milho, glicose, sacarose, frutose);
4. Bebidas com adição de açúcar, como sucos de caixinha e refrigerantes;
5. Bebidas alcoólicas;
6. Períodos muito longos de jejum;
7. Tabagismo.
Recomendações:
– Procure se exercitar ou ser uma pessoa mais ativa. A atividade física pode melhorar a pressão, o fluxo sanguíneo, o humor, a memória e o sono, bem como ajudar a manter o peso;
– Tente criar uma rotina de sono, com hora para deitar e levantar e sem ligar aparelhos eletrônicos como celulares na cama;
– Procure consumir mais folhosos, legumes, frutas in natura, grãos integrais, carnes magras, oleaginosas, laticínios sem gordura, com baixa quantidade de gordura ou sem lactose (caso seja intolerante);
– Prefira os óleos saudáveis como azeite ou os provenientes de nozes e sementes;
– Tente consumir carne vermelha de maneira moderada, alternando com peixes;
– Prefira os óleos para cozinhar, em vez de margarina;
– Seja paciente, pequenas mudanças diárias fazem toda a diferença;
– Procure se hidratar, beba principalmente água (40 ml/ kg de peso);
– No preparo dos alimentos, procure dar preferência aos grelhados, assados, cozidos no vapor ou até mesmo crus;
– Cuidado com alimentos com designação diet, light ou zero, pois eles podem ser bastante calóricos apesar de parecerem melhores opções.
Por: Marina Borges, para o Eu Atleta — Bauru, São Paulo
Fonte: Ricardo Oliveira, médico do esporte e endocrinologista
Sylvia Pozzobon, nutricionista esportiva
Transcrito: https://globoesporte.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/pandemia-engorda-veja-estudo-sobre-lockdown-e-ganho-de-peso.ghtml