O manual da alimentação dos bebês
Cartilha lista dez passos fundamentais para as crianças pequenas comerem bem e garantirem desenvolvimento pleno e saúde de ferro
Não há amor mais sincero do que o amor à comida, segundo o dramaturgo irlandês Bernard Shaw (1856-1950). E uma cartilha lançada pela Unicef, o braço das Nações Unidas voltado à infância, pode ajudar os pais a despertarem esse sentimento nos filhos, sem complicações. São dez recomendações para a alimentação dos pequenos até os 2 anos de idade.
“É um período em que se formam hábitos que vão acompanhá-los pela vida toda. Portanto, uma ótima oportunidade de estimular o gosto pela comida saudável“, explica a médica Cristina Albuquerque, chefe de Saúde, HIV/Aids e Desenvolvimento Infantil da Unicef Brasil.
Além de fornecer os nutrientes para o crescimento e o desenvolvimento dos órgãos, a alimentação adequada previne a obesidade. Pois saiba que aqueles bebês rechonchudos, exibidos com orgulho pelas mamães de outrora, hoje são motivo de preocupação. Os índices de excesso de peso na infância dispararam.
Um estudo da Federação Mundial de Obesidade estima que o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que estão com quilos a mais deve pular de 220 milhões para 268 milhões em menos de uma década. “O sobrepeso é porta de entrada para diabetes tipo 2, hipertensão e acúmulo de gordura no fígado, que aumentam o risco de doenças cardiovasculares, a principal causa de morte no mundo”, explica Cristina.
A refeição é também ocasião de aprender com os adultos a saborear os alimentos, trocar experiências, interagir… “Estudos populacionais mostram que famílias que comem juntas têm um padrão alimentar melhor”, conta o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Por isso vale a pena fazer dela um momento agradável de convivência em vez de se limitar a enfiar colheradas goela abaixo enquanto a criança se entretém com o tablet, o celular ou a TV.
Confira agora os dez passos para formar uma geração saudável e bem nutrida.
1. Amamentação até os 6 meses
E aqui falamos em aleitamento exclusivo. O leite materno fornece todos os nutrientes de que o bebê precisa. Dispensa água, chá e suco — inclusive em regiões quentes e áridas.
Não precisa temer aquela história de “leite fraco”. “Mesmo mães de baixo peso produzem, na maior parte das vezes, um líquido adequado às necessidades do bebê”, esclarece Fisberg.
Se o recém-nascido chorar, saiba que é a única forma que ele tem para se comunicar. Não significa sempre que está com fome — pode ser fralda suja, frio, calor, falta de aconchego… Observe se ele está crescendo como o esperado. Se achar que não, peça orientação ao pediatra.
E atenção: a partir do sexto mês, entram outros alimentos, mas a lactação deve ser mantida até os 2 anos.
Para o aleitamento fluir
Confie: não defina horário nem tempo. O bebê sabe quando mamar.
Conforto: há várias posições. Escolha a mais confortável para os dois.
Intercale: na próxima mamada, comece com o seio que não esvaziou na última.
Cuide-se: quem dá de mamar deve beber muita água e comer de maneira equilibrada.
Veja mais: Como preparar os seios para a amamentação
2. Não ofereça açúcar
Nem um pouquinho! Assim se evitam cáries e, claro, o excesso de peso.
A sensação de prazer provocada pelo consumo de doce ativa locais do cérebro relacionados à recompensa, concluíram pesquisadores da Universidade Yale (EUA), do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do ABC. Daí a vontade de repetir.
E o hábito adquirido na infância é mais difícil de reverter no futuro. “Fora isso, o doce compete com frutas e outros alimentos menos calóricos”, adverte Cristina.
O mel também está desaconselhado: é ultradoce e pode conter uma bactéria que ataca nervos e músculos. E o sistema imunológico do bebê ainda é imaturo para combatê-la.
3. Apresente novos alimentos aos 6 meses
Comece no almoço, com itens frescos preparados com pouco azeite e sal: arroz, feijão, raízes, verduras, legumes, carnes e ovo. Nos lanches da manhã e da tarde, vá de fruta. No sétimo mês, é a vez de liberar o jantar. A partir do oitavo, dê a comida da família — se não tiver muito tempero, sal e gordura.
Deixe o bebê explorar o prato com a colher ou as mãos para sentir sabores, texturas e calor. Desencane da sujeira, tá? Lembre-se de dar água várias vezes ao dia para manter a hidratação.
O bebê e a comida da família
O pequeno vai seguir o exemplo dos pais e irmãos à mesa. Eis um bom motivo para melhorar o cardápio de todos. “O que não é saudável para o bebê não é também para a família”, afirma a endocrinologista e expert em obesidade infantil Zuleika Halpern, de São Paulo.
4. Espere a criança ter fome de comida de verdade
Se o filho rejeita o almoço, muitos pais acabam permitindo a bolacha, o salgadinho e outras tranqueiras. Só que substituir a refeição não é uma boa estratégia.
O melhor é esperar. Segundo a cartilha, em geral, duas horas sem comer ou beber são suficientes para a fome aparecer.
Contudo, não se recomenda oferecer no meio da tarde aquele prato que foi recusado mais cedo. Cristina indica leite, fruta, enfim, algo saudável que cai bem nesse período do dia.
Não force a barra
Bebês costumam comer pouco. Aquele papo de “Só mais uma colherinha” ou insistir no prato vazio a qualquer custo pode levar a criança a perder a noção de saciedade e comer além do limite. “Aí, sobe o risco de obesidade”, alerta Zuleika.
5. Invista no colorido dos vegetais
Um prato cheio de cor fornece nutrientes diferentes e agrada os olhos. Vale levar a criança à feira para mostrar a variedade e motivá-la a experimentar.
Todo alimento que nasce na terra ou dá em árvores é saudável, porém não estranhe se ela rejeitar algum. “Apresente no mínimo de dez a 12 vezes, mudando o preparo ou o tempero, antes de excluir do cardápio”, sugere Fisberg.
Se ainda recusar ou, pior, vomitar, tente outro item do mesmo grupo. O bebê tem direito a não gostar de tudo.
Desligue as telas
Diante de TV, tablet e celular, a criança nem presta atenção na comida. Isso já faz engordar — fora o sedentarismo. Há indícios de que o excesso de telas mexe com o cérebro. Elas só devem entrar na vida dos pequenos após os 2 anos — no máximo duas horas ao dia.
6. Ofereça grãos, raízes, verduras e frutas
Praticamente não existe alimento in natura que não possa ser introduzido após o sexto mês. “Depende mais do tempero e da forma de apresentação para o bebê se adaptar”, instrui Fisberg.
Os últimos a entrarem no menu são os que têm maior potencial de causar alergia, caso dos frutos do mar. O peixe vai logo de cara. Já embutidos, frituras e macarrão instantâneo, por exemplo, são contraindicados por concentrarem gordura, sal, corantes e conservantes demais, além de poucos nutrientes.
O prato ideal
Escolha um alimento de cada grupo
Carboidratos: Tem arroz, mandioca, batata, cará, macarrão, fubá e inhame.
Proteínas: Peixe, carne (boi ou porco), frango, ovo, feijão, lentilha…
Vitaminas e fibras: Aposte nos vegetais: couve, tomate, cenoura, beterraba etc.
7. Estimule o bebê a mastigar
Isso ajuda a formar os dentes e a desenvolver a fala. Os alimentos devem ser cozidos e amassados com o garfo — as carnes, desfiadas. Não os misture para que o bebê possa provar cada um.
As chances de engasgar são mínimas: mesmo sem dentes, ele morde, só não corta. “Dê porções pequenas e ponha no canto da boca”, ensina Fisberg. “Ele vai jogar o alimento de um lado para outro, o que é útil, porque a digestão começa ali.”
8. Não dê bolachas e afins antes dos 2 anos
Biscoitos recheados, sucos de caixinha, salgadinhos, gelatina e refrigerantes não devem ser oferecidos porque colaboram para a obesidade, além de estarem lotados de aditivos. “O melhor é nem ter essas coisas dentro de casa”, orienta Zuleika.
Quanto àquele comentário do tempo de nossas avós “Mas a criança vai passar vontade e ficar doente!”, ignore. Se ela estiver de olho em um doce, bote uma fruta à disposição.
9. Não se esqueça da higiene
Lavar bem as mãos, os utensílios e os alimentos do bebê evita a contaminação por germes que provocam diarreia e infecções. “A água deve ser filtrada ou fervida e entregue de preferência no copo, entre os lanches e as refeições”, recomenda Cristina. Não tem melhor líquido para matar a sede.
Em vez do suco, priorize a fruta in natura, que concentra boas doses de fibras, substâncias bem-vindas ao intestino.
10. Estimule a vida ativa
Não adianta comer legal e ser sedentário. Por isso a Unicef indica movimentação.
Nessa fase, o bebê curte engatinhar e explorar o ambiente, o que aprimora a coordenação. Incentive-o a buscar um brinquedo e a empilhar objetos, a brincar de esconde-esconde, jogar bola e dançar. Invente atividades no quintal, no parquinho e na piscina.
Assim, ele se mexe e interage com os outros. A busca por saúde pode (e deve) ser divertida.
Por: Cristina Nabuco
Fonte: Cristina Albuquerque,médica chefe de Saúde, HIV/Aids e Desenvolvimento Infantil da Unicef Brasil
Mauro Fisberg,nutrólogo do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria
Zuleika Halpern,endocrinologista e expert em obesidade infantil de São Paulo
pesquisadores da Universidade Yale (EUA), do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do ABC.
Transcrito: https://saude.abril.com.br/alimentacao/o-manual-da-alimentacao-dos-bebes/