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Máscaras de tecido não causam danos cardíacos durante o exercício

Novo estudo aponta que o uso da medida de proteção facial, importante em tempos de ômicron, é seguro durante a prática de atividades físicas em diferentes intensidades

À medida que a vacinação contra a Covid-19 avança no país, a execução de exercícios físicos em ambientes fechados, como academias, ganha mais força. Mas com a chegada da nova variante do coronavírus, a ômicron, muito mais transmissível que as demais, as preocupações aumentam. Neste panorama em que o uso de máscaras faciais é indispensável, um estudo conduzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo concluiu que máscaras de tecido não causam grandes alterações fisiológicas, como perturbações respiratórias ou cardiovasculares, durante exercícios moderados a pesados.

Ou seja, o uso de máscaras de tecido, e o ideal é que ela tenha três camadas, durante a atividade física não oferece nenhum risco à saúde, e ainda protege do contágio contra a Covid-19 – embora no dia a dia o indicado seja o uso da máscara PFF2, que no entanto não é recomendada para a prática de exercícios. E para explicar o estudo e o seu impacto na prática clínica e esportiva, bem como tirar dúvidas relacionadas à utilização de máscara durante o exercício, o Eu Atleta conversou com o professor da Faculdade de Medicina da USP e autor do artigo Bruno Gualano e com o médico cardiologista do esporte Mateus Freitas Teixeira. Confira a seguir.

Uso de máscara não afeta a respiração nem resposta cardiovascular durante exercício — Foto: Reprodução/ Internet

O estudo

O estudo, realizado pelo grupo do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC), apresenta dados concretos que desmistificam o uso de máscara de tecido na população geral de não atletas. Os boatos os efeitos negativos do uso de máscaras na sobrecarga cardíaca, equilíbrio ácido-base e saturação de oxigênio mostraram-se inverossímeis. Por meio da análise científica, comparando grupos de não atletas, homens e mulheres, com e sem máscara, sem comorbidades, foi realizada uma série de testes funcionais. O resultado foi que, apesar de algumas mudanças nas variáveis ​​respiratórias, nenhuma medida cardiovascular foi afetada com a máscara facial de tecido.

Mesmo quando os sujeitos analisados foram submetidos a uma maior intensidade de exercício, não houve alterações na frequência cardíaca ou na pressão arterial sistólica e diastólica ao usar uma máscara facial de pano. Além disso, a ligeira redução geral na saturação de oxigênio no sangue não foi clinicamente significativa, apoiando estudos anteriores que não mostraram nenhum efeito do uso de máscara facial na saturação de oxigênio.

– Logo, este estudo mostrou que o incômodo com máscara facial de pano é dependente da intensidade do exercício, com menor desconforto em intensidades menos severas. O uso da máscara não afetou substancialmente as variáveis ​​fisiológicas ou metabólicas durante o exercício, independentemente do sexo e da intensidade. De uma perspectiva prática, esses dados sugerem que o uso de uma máscara facial de tecido para proteger os indivíduos de infecções por SARS-CoV-2 não deve ser uma barreira para o envolvimento em atividades físicas moderadas a pesadas – explica Mateus Freitas Teixeira.

De acordo com Bruno Gualano, pesquisador responsável pelo estudo, o trabalho teve como objetivo, basicamente, investigar o impacto do uso das máscaras sobre o desempenho do atleta amador, não com atletas de alto desempenho. Os pesquisadores queriam saber como o uso das máscaras durante exercício afeta pessoas que buscam praticar atividade física voltada à saúde e à estética, e não ao alto desempenho.

– O objetivo foi comparar as respostas entre homens e mulheres e, principalmente, verificar o efeito do uso da máscara em quantidades crescentes. Isso não tinha sido feito de maneira adequada ainda pela ciência. Então, basicamente observamos que, nas intensidades de moderada a pesada, nas quais conversamos com a pessoa ao lado de maneira ofegante e que é o mesmo tipo de atividade que traz diversos benefícios à saúde, as perturbações fisiológicas, as alterações no funcionamento do corpo, do pulmão, do coração, dos vasos, do metabolismo como um todo, são muito pequenos. Nenhuma delas sugestivas de respostas patológicas – aponta o pesquisador.

Nas intensidades mais altas, as quais chamamos de críticas e que conseguimos ficar muito pouco tempo nos exercitando, entrando rapidamente numa exaustão extrema, há alterações no padrão respiratório que não conseguem ser sustentadas pelos mecanismos compensatórios fisiológicos e, por isso, o indivíduo fadiga mais cedo. Nesses casos, o desempenho é reduzido. Ou seja, fazer o uso de máscara no pico do exercício pode prejudicar o desempenho, mas não a saúde. Ainda assim, atletas profissionais como os jogadores de vôlei Lucão e Macris usaram máscaras de proteção até mesmo nos jogos das Olimpíadas de Tóquio, em 2021.

– A novidade é que mesmo no pico do exercício não foram observadas grandes alterações hemodinâmicas. Ou seja, no débito cardíaco, na frequência cardíaca, tampouco na saturação do oxigênio, que é concentração de oxigênio no nosso sangue. Essas preocupações existiam, muita gente espalhava fake news a respeito disso, e o nosso estudo derrubou esse mito. Então, neste tipo de atividade, isso não acontece para uma população de pessoas saudáveis, e é bom que se frise isso; afinal, se a pessoa tem alguma patologia, doença crônica, doença pulmonar, cardiológica, não sabemos o que pode acontecer – destaca Bruno Gualano.

É válido ressaltar, ainda, que até hoje não há indícios de que a máscara altera o funcionamento do organismo para essas pessoas com algum tipo de patologia, mas também não há evidências que dizem que elas são plenamente seguras. Para pessoas saudáveis, que buscam o exercício para melhorar os níveis de saúde e/ou para fins estéticos, as máscaras de tecido não oferecem qualquer tipo de risco à saúde. As pequenas alterações que foram encontradas basicamente são alterações no padrão da respiração.

– Então, o indivíduo tem, por exemplo, uma capacidade inspiratória com o uso da máscara menor, mas isso é compensado com, por exemplo, a maior frequência respiratória. Dessa forma, o indivíduo dá conta de suprir as necessidades metabólicas do exercício quando ele usa máscara de tecido, a qual é recomendada para atividade física (conta com três camadas de tecido como pede a OMS). A gente não testou outros tipos de máscaras com menor respirabilidade, como a N95 ou PFF2. E de novo cabe ressaltar que se trata de um trabalho restrito a indivíduos fisicamente ativos ou até inativos, os quais não praticam atividade de alto rendimento – ressalta o autor do artigo.

Descobertas:

– Usando um teste de onda quadrada progressiva, foi mostrado que usar uma máscara facial de pano durante o exercício aumentava a dificuldade respiratória, mas isso dependia da intensidade do exercício;

– As variáveis ​​respiratórias (por exemplo, capacidade inspiratória, frequência respiratória, índice de respiração superficial) foram afetadas em intensidades mais altas de exercícios, e não mais baixas;

– O uso de máscara não alterou a frequência cardíaca, lactato, classificações de esforço percebido, pressão arterial ou saturação de oxigênio em qualquer intensidade de exercício;

– Não houve diferenças substanciais entre os sexos nos efeitos do uso de máscara durante o exercício.

Impacto do estudo na prática clínica e esportiva

Utilização de máscaras durante exercício não afeta frequência cardíaca — Foto: Istock Getty Images

Os pesquisadores apontam que os dados obtidos a partir desse estudo podem esclarecer questionamentos sobre os efeitos nocivos das máscaras durante o exercício e ajudar a informar novas recomendações de exercícios para a saúde durante a pandemia de COVID-19, principalmente onde as máscaras faciais continuam necessárias.

– Falando da prática esportiva, nós tivemos um estudo anterior com atletas, no qual não vimos alterações importantes no desempenho dos mesmos; vimos (somentte) alterações relacionadas à parte afetiva. Ou seja, o atleta não gosta de usar máscara, aliás, ninguém gosta de usar máscara. Máscara, como eu brinco, não é fetiche de cientista, não é fetiche das sociedades médica e científica, é uma necessidade pois se mostrou eficaz contra a infecção por SARS-COV-2. Esse é o fato científico que hoje é consensual. Então, junto da vacina, a máscara é a ferramenta preventiva mais eficaz que nós temos contra a Covid. Por isso é importante estudar o impacto da máscara em diversas situações, incluindo o contexto do exercício físico – afirma Bruno Gualano.

No contexto do esporte de alto rendimento

Muitos atletas do esporte de alto rendimento começam a considerar o uso da máscara cada vez mais, inclusive no treinamento, porque o prejuízo que se tem pro esporte quando o indivíduo se infecta é muito grande. E não estamos falando simplesmente da saúde do atleta. A gente sabe que a maioria dos atletas tem um quadro menos grave quando está infectado. Porém, quando um atleta se infecta ou tem contato com alguém que foi infectado, isso pode significar o fim da competição para ele.

Em modalidades coletivas na Europa, em ligas europeias e americanas, há exemplos de clubes e equipes com dificuldades de disputarem os campeonatos por falta de jogador, pois devem seguir protocolos rígidos de isolamento. Nos Jogos Olímpicos, atletas também perderam a competição por conta infecção por Covid. Então, para além da questão da saúde, os prejuízos financeiro, esportivo e para o entretenimento, para o fenômeno do esporte sociocultural como um todo, é enorme por conta das infecções por Covid, principalmente agora com a variante Ômicron.

– Pensando nisso, o uso da máscara é uma escolha sensata a se fazer. Claro que em algumas modalidades, sobretudo as de maior duração e que requerem maior intensidade, sabemos que o uso da máscara pode eventualmente prejudicar o desempenho esportivo. Contudo, às vezes vale mais a pena treinar numa intensidade inferior usando a máscara, do que perder uma competição importante por conta de uma infecção. Essa é uma decisão que tem que ser ponderada por atletas, treinadores, equipe médica, staff, fisiologistas, mas cada vez mais parece ser uma decisão sábia quando consideramos países em que há uma epidemia descontrolada de Covid – aponta Bruno Gualano.

Dúvidas comuns

A seguir, o médico cardiologista Mateus Freitas Teixeira responde a algumas das principais dúvidas relacionadas à prática de exercício junto do uso de máscaras faciais.

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1. Em intensidades mais altas de exercício, é normal sentir desconforto cardíaco ou falta de ar utilizando máscaras?

De forma objetiva, é normal que pessoas não treinadas sintam dificuldade e a hipótese no artigo aponta que as reduções na capacidade inspiratória no exercício refletiam uma diminuição na força contrátil dos músculos inspiratórios, no início da atividade. Esse desconforto inspiratório poderia colocar uma maior tensão nos músculos respiratórios para manter as necessidades respiratórias durante o exercício. Além disso, a máscara pode contribuir, entre outros, para dores de cabeça mais frequentes, sintomas de fadiga ou sensação subjetiva de cansaço e desconforto.

– Porém, na população saudável e estável clinicamente, do ponto de vista cardiológico e respiratório, não houve alterações, mesmo em exercícios mais vigorosos – aponta o médico.

2. Há algum tipo de máscara que pode comprometer a resposta cardíaca durante a execução do exercício?

– Recente revisão na literatura publicou que, embora a dispneia possa aumentar e alterar o esforço percebido com a atividade, os efeitos sobre o trabalho cardiológico e respiratório, gases sanguíneos e outros parâmetros fisiológicos impostos pelas máscaras faciais durante a atividade física são pequenos, muitas vezes pequenos demais para serem detectados, mesmo durante exercícios muito pesados. Não havendo evidências atuais que apoiem ​​as diferenças baseadas no sexo ou na idade nas respostas fisiológicas ao exercício durante o uso de máscara facial de qualquer tipo – afirma Mateus.

3. Caso a pessoa venha a sentir um desconforto cardíaco ou respiratório durante a prática de exercícios físicos utilizando máscara, como ela deve proceder?

De acordo com o cardiologista, para a pessoa que venha a sentir algum desconforto cardíaco ou respiratório durante o exercício, é recomendado que fique em repouso, respire com calma e, caso esteja em ambiente aberto e com distanciamento adequado, que retire a máscara e dê a pausa necessária para recomeçar. Caso o desconforto cardíaco e/ou respiratório se mantenha mesmo nessas condições sugeridas, é importante que um médico seja procurado para fazer uma avaliação.

Variante Ômicron

É sabido que a variante Ômicron possui alta transmissibilidade. Nesse novo contexto da doença, é muito importante que as pessoas continuem fazendo o uso de máscara em academias e mesmo durante a execução de exercícios em ambientes abertos.

A atividade física previne morbidades e mortalidade, bem como melhora a imunogenicidade da vacina. Além disso, os dados presentes no artigo fornecem informações relevantes de que o uso de uma máscara facial de tecido não tem impacto negativo durante o exercício em intensidades moderadas a vigorosas. Logo, de acordo com Mateus Teixeira, é importante passar algumas orientações rápidas, afinal, o número de infectados subiu de forma exponencial e devemos nos manter ativos com responsabilidade.

Todos devem:

– Tomar a vacina contra a Covid-19;

– Observar as orientações dos órgãos de saúde competentes e responsáveis;

– Manter-se ativo fisicamente;

– Manter distanciamento social;

– Usar máscara PFF2 no dia a dia e, se possível, de pano durante a atividade física.

Por : Marina Borges, para o Eu Atleta — Bauru, São Paulo

Fontes: Bruno Gualano é graduado e doutorado pela Escola de Educação Física e Esporte da USP e pós-doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP, pesquisador do Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia (HCFMUSP) e do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada & Nutrição (FMUSP/EEFEUSP) e Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP.

Mateus Freitas Teixeira é médico cardiologista do Clube de Regatas Vasco da Gama, coordenador médico da clínica Fit Center, diretor da Sociedade de Medicina do Exercício e Esporte do Rio de Janeiro e membro do comitê de Medicina Desportiva da Associação Médica Fluminense.

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/noticia/mascaras-de-tecido-nao-causam-danos-cardiacos-durante-o-exercicio.ghtml

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