Existe um tratamento para manter o peso após emagrecer?
Médico endocrinologista Guilherme Renke explica pesquisa dinamarquesa que combina uma rotina de exercícios com medicação da classe de análogos do receptor de GLP-1, hormônio produzido pelo intestino que atua na regulação do apetite e dos níveis de açúcar no sangue
A obesidade é uma pandemia global, com profundas consequências clínicas, sociais e econômicas. Em todo o mundo, quase 40% da população têm sobrepeso e 13% vivem com obesidade. A condição de estar com sobrepeso ou obesidade está associada a um risco aumentado de morte precoce, bem como a diversas consequências, a exemplo de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, câncer e infertilidade. Mas, infelizmente, mais difícil que perder o peso inicial, é manter o peso ideal. O reganho de peso após uma perda de peso inicial bem sucedida em pessoas com obesidade constitui um problema importante e não resolvido. Até pouco tempo, não havia nenhum estudo bem documentado sobre qual método de tratamento é o melhor para manter uma perda de peso saudável. Recentemente, no entanto, pesquisadores da Universidade de Copenhagen concluíram um estudo novo sobre o tema, publicado na prestigiada revista médica The New England Journal of Medicine.
Mulher balança peso eu atleta — Foto: Internet
No estudo, foram testados diferentes tratamentos após uma perda de peso induzida por dieta, para analisar qual seria o mais eficaz quanto à manutenção do peso perdido a longo prazo. Vamos entender o que foi concluído.
Compreendendo o reganho de peso
A restrição de energia através de uma dieta muito restritiva ativa impulsos compensatórios poderosos do nosso organismo destinados a resistir à perda de peso e defender o peso corporal maior. Ou seja, nosso corpo tende a querer retornar ao peso maior após uma dieta restrita, alterando o perfil da secreção de hormônios para restaurar as reservas de energia.
As pessoas lutam contra fortes forças biológicas ao perder peso. O apetite aumenta simultaneamente com a diminuição do consumo de energia e isso neutraliza a manutenção da perda de peso. Temos um hormônio estimulador do apetite, a grelina, que aumenta drasticamente quando perdemos peso, e simultaneamente o nível de hormônios supressores do apetite, como a leptina, cai drasticamente.
Além disso, o emagrecimento pode provocar perda de massa muscular, enquanto o corpo reduz o consumo de energia. Assim, quando o foco no tratamento da obesidade é como obter uma perda de peso, ao invés de como mantê-la, é realmente difícil evitar o reganho de peso
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Qual melhor tratamento para a manutenção do peso ideal?
No recente estudo, que foi um ensaio clínico randomizado, o grupo de pesquisadores demonstrou um tratamento eficaz após perda de peso induzida por dieta, combinando exercícios intensivos moderados a vigorosos com medicação da classe de análogos do receptor de GLP-1 – usada para tratar, a princípio, o diabetes tipo 2, mas também inibidora do apetite, tornando-se uma opção para tratamento da obesidade.
É altamente eficiente ao combinar tratamentos
No ensaio, participaram 215 dinamarqueses com obesidade e baixo condicionamento físico. Os participantes seguiram inicialmente uma dieta de baixa caloria durante oito semanas, onde cada um perdeu aproximadamente 13 kg, o que trouxe melhorias significativas para sua saúde, com a queda no nível de açúcar no sangue e da pressão arterial.
Os participantes foram então divididos aleatoriamente em quatro grupos. Dois grupos receberam medicação placebo, enquanto os outros dois receberam os análogos do GLP-1. Entre os dois grupos de placebo, um seguiu um programa de exercícios de no mínimo 150 minutos de atividade física em intensidade moderada ou 75 minutos em intensidade vigorosa durante a semana ou uma combinação dos dois, enquanto o outro grupo manteve seu nível atual baixo de atividade física. Os dois grupos que receberam medicação para obesidade foram divididos de forma semelhante, em um grupo com e um sem um programa de exercícios. Após um ano:
– O grupo apenas com exercícios, mas tomando placebo, e o grupo apenas com medicamentos para obesidade, mas sem exercícios, mantiveram a perda de peso de 13 kg e a melhora da saúde;
– O grupo placebo sem exercícios ganhou metade do peso de volta, com a deterioração de todos os fatores de risco, por exemplo, o desenvolvimento de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares;
– As melhorias mais dramáticas ocorreram no grupo da combinação, que seguiu o programa de exercícios e recebeu o análogo de GLP-1. Os pesquisadores observaram perda de peso adicional neste grupo, e a perda de peso total foi de aproximadamente 16 kg em um ano.
Mas afinal, qual o mecanismo de ação do Análogo do receptor GLP-1?
O GLP-1 (peptídeo-1 semelhante ao glucagon) é um hormônio produzido naturalmente pelo intestino que desempenha papéis importantes na regulação do apetite e dos níveis de açúcar no sangue.
Após a ingestão de alimentos, o GLP-1 secretado pelo intestino estimula a secreção de insulina pelo pâncreas e regula o apetite ao afetar as áreas centrais do cérebro que regulam o apetite, além de diminuir o esvaziamento gástrico, aumentando a sensação de saciedade, reduzindo o apetite, o desejo por comida e a ingestão de energia. Os fármacos análogos de GLP-1 imitam as ações desse hormônio.
A dupla exercícios mais medicação prescrita corretamente por um médico pode ser a grande aliada das pessoas que precisam manter a perda de peso.
O exercício é fundamental no tratamento de perda de peso, pois aumenta a aptidão física, mantém uma boa composição corporal ao diminuir massa gorda e aumentar massa muscular. Devemos lembrar que não se obtém necessariamente um corpo mais saudável com a perda de peso se, ao mesmo tempo, se perde muita massa muscular.
E ao combinar exercícios com medicamentos para obesidade, o efeito é ainda melhor. As pessoas com obesidade, junto ao seu médico, podem criar uma estrutura que sustente e mantenha o emagrecimento.
Os análogos do GLP-1 são drogas potencialmente promissoras para emagrecer em adultos obesos ou com sobrepeso e os estudos demonstram ser opções terapêuticas seguras e eficazes para a redução de 5 a 15% do peso corporal, se usados continuamente e em associação com dieta e exercício físico.
O acompanhamento de uma equipe multiprofissional é essencial. Muitas pessoas com obesidade já tentaram perder peso e o reganham com facilidade depois. O acompanhamento contínuo e a garantia do apoio de profissionais capacitados são a melhor forma de manter a forma ideal. Entre eles, médico, nutricionista e educador físico certamente devem fazer parte desta equipe.
Lembrando que o fármaco análogo do receptor de GLP-1 deve ser prescrito por um médico. Somente ele poderá lhe orientar quanto suas reais necessidades e elaborar um plano de tratamento individualizado. A automedicação é perigosa e pode lhe trazer consequências sérias.
Referências:
1. Lundgren, J. R., Janus, C., Jensen, S. B., Juhl, C. R., Olsen, L. M., Christensen, R. M., … & Torekov, S. S. (2021). Healthy weight loss maintenance with exercise, liraglutide, or both combined. New England Journal of Medicine, 384(18), 1719-1730.
2. Decarie-Spain L, Kanoski SE. Ghrelin and Glucagon-Like Peptide-1: A Gut-Brain Axis Battle for Food Reward. Nutrients. 2021 Mar 17;13(3):977.
3. O’Neil PM, Birkenfeld AL, McGowan B, Mosenzon O, Pedersen SD, Wharton S, Carson CG, Jepsen CH, Kabisch M, Wilding JPH. Efficacy and safety of semaglutide compared with liraglutide and placebo for weight loss in patients with obesity: a randomised, double-blind, placebo and active controlled, dose-ranging, phase 2 trial. Lancet. 2018 Aug 25;392(10148):637-649.
Por: Guilherme Renke – Rio de Janeiro
Fonte: Guilherme Renke, Médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte
Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/post/2021/07/02/existe-um-tratamento-para-manter-o-peso-apos-emagrecer.ghtml