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Exercícios físicos intensos podem levar à anemia?

Médico endocrinologista Guilherme Renke explica por que a prevalência da deficiência de ferro é maior em indivíduos fisicamente ativos e atletas

Ainda em clima de Olimpíadas, vamos compreender como exercícios físicos intensos, que recrutam tanta energia, podem afetar o equilíbrio do organismo dos atletas. Quando o exercício passa a ser extenuante, especialmente em esportes competitivos, é caracterizado por um esforço considerável ao atleta e causa alguns desequilíbrios no seu organismo. Um exemplo é o metabolismo do ferro, podendo levar o atleta até mesmo à anemia.

De fato, a prevalência de deficiência de ferro é maior em indivíduos fisicamente ativos e atletas, em comparação com a população sedentária. E a ciência, portanto, buscou compreender o motivo dessa deficiência.

Atletas que consomem energia adequada para não ter déficit calórico são mais beneficiados quanto ao metabolismo do ferro, tendo menos chances de anemia — Foto: Internet

Para entendermos como exercício intenso pode levar à anemia, devemos compreender alguns pontos chaves do metabolismo do ferro no nosso organismo:

1. A hepcidina é uma molécula produzida no fígado que desempenha um papel fundamental na regulação do equilíbrio ferro: é responsável por reduzir sua absorção e reciclagem no corpo, a fim de diminuir a concentração de ferro no organismo;

2. Um aumento nos níveis de ferro está associado à formação aumentada de hepcidina, justamente com o intuito de diminuir a concentração de ferro e não alcançar níveis tóxicos.

E como o exercício é capaz de levar o atleta à anemia?

A resposta é: aumentando níveis de hepcidina.

A maioria dos estudos propôs que o aumento da hepcidina com atividade física extenuante se deve a uma resposta inflamatória às contrações musculares repetidas. Esses estudos apontam para a interleucina-6 (IL-6), pois a IL-6 é necessária para indução de hepcidina e hipoferremia, ou seja, baixos níveis de ferro no sangue, durante a inflamação.

O eixo inflamação-hepcidina é considerado uma adaptação evolutiva do hospedeiro para restringir a disponibilidade de ferro aos patógenos. Ou seja, nosso corpo identifica a inflamação como causa de uma possível infecção por patógeno, como bactérias, e, por isso, restringe os níveis de ferro circulante para diminuir a disponibilidade a esses patógenos.

Podemos dizer que o nosso corpo fica em “alerta” quando há uma inflamação, mesmo quando ocasionada por exercício físico intenso, e por isso aumenta a produção de hepcidina, a fim de diminuir a disponibilidade de ferro.

A consequência desses mecanismos fisiológicos é encontrar alguns atletas e praticantes de exercícios físicos extenuantes com níveis baixos de ferro e anemia.

Os estoques de ferro comprometidos podem prejudicar os processos fisiológicos, com efeitos negativos significativos na saúde e no desempenho do atleta. Por exemplo, altos níveis de aptidão aeróbica, um pré-requisito comum para o desempenho de resistência de elite, podem ser limitados pela capacidade de entrega de oxigênio ao músculo.

E como podemos amenizar essa redução de ferro no atleta?

Um estudo cruzado, controlado e randomizado, publicado recentemente, buscou a resposta deste questionamento avaliando militares em treinamento. Eles analisaram se o déficit calórico exacerba a resposta da hepcidina ao exercício físico. Para isso, dividiram os militares em dois grupos:

. O que consumiram energia compatível ao seu gasto energético, a fim de não ter déficit calórico;

– Os que consumiram menos energia, para alcançar déficit calórico.
Como resultado, os militares em treinamento que tiveram déficit calórico produziram mais hepcidina e, consequentemente, absorveram menos ferro.

Concluiu-se com o estudo que o déficit de energia exacerba a resposta da hepcidina à atividade física e diminui a absorção de ferro na dieta em comparação com o balanço energético.

Ou seja, é possível que atletas que consomem energia adequada para não ter déficit calórico são mais beneficiados quanto ao metabolismo do ferro, tendo menos chances de anemia decorrente de exercícios físicos extenuantes.

Lembrando da importância de orientações e acompanhamento de uma equipe de profissionais capacitados, como médico, nutricionista e educador físico, para adequar a alimentação e suplementação ao nível de atividade física do atleta.

Referências bibliográficas:

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Por: Guilherme Renke – Rio de Janeiro

Fonte: Guilherme Renke, Médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/post/2021/08/12/exercicios-fisicos-intensos-podem-levar-a-anemia.ghtml

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