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Exercício em excesso pode reduzir produção de testosterona

Especialistas explicam relação entre overtraining e diminuição da produção do hormônio, abordando as consequências para a performance esportiva, além dos tratamentos e cuidados

Determinados tipos de exercício físico, sobretudo os de alta intensidade e curta duração, podem promover aumento da secreção de testosterona. No entanto, o excesso de exercício pode ter um impacto negativo sobre a produção desse hormônio. Nos últimos anos, alguns estudos têm relatado que, parecido com o que ocorre na chamada Síndrome da Mulher Atleta, homens também são afetados pelo excesso de treino (overtraining). Tanto que atualmente já é reconhecido que o excesso de treinamento físico é uma das causas que prejudicam a produção de testosterona em homens, podendo levar inclusive a um quadro de deficiência do hormônio, chamado de hipogonadismo ligado ao exercício. Mas, afinal, como esse tipo de distúrbio pode levar à piora de performance esportiva e a uma série de alterações orgânicas prejudiciais?

Abaixo, os médicos endocrinologistas Ricardo Oliveira e Roberto Zagury explicam essa relação e o tratamento do problema e dão dicas de cuidados a serem tomados pelos atletas.

Exercício físico e testosterona

O excesso de treino pode promover uma redução nos níveis de testosterona em homens — Foto: Internet

Diferentes tipos de treinamento podem exercer diferentes impactos sobre a produção de testosterona. Ricardo Oliveira explica que se por um lado exercícios de alta intensidade e curta duração promovem aumento da síntese de testosterona, por outro lado treinamentos longos e exaustivos podem promover o contrário: uma deficiência do hormônio. Alguns tipos de exercícios que geram uma produção maior de testosterona são os de alta intensidade, explosão e musculação, principalmente aqueles que envolvem grandes grupamentos musculares e uma intensidade considerável.

Para que não ocorra uma superprodução ou baixa produção do hormônio, o ideal é manter o equilíbrio entre treino e descanso, sendo necessária uma dosagem correta de ambos. Em relação ao overtrainging, quando abordamos esse tópico, há uma tendência natural de associar mais o excesso de treinamento ao universo feminino por conta da famosa Tríade da Mulher Atleta, atualmente chamada de Síndrome da Mulher Atleta, que pode gerar desordem alimentar, hormonal (amenorreia) e óssea (osteopenia/ osteoporose). No entanto, treinos em excesso também trazem malefícios ao universo masculino.

– Da mesma forma que as mulheres podem apresentar a chamada Síndrome da Mulher Atleta pelo excesso de treino e uma dieta inadequada (em geral mais restritiva), o mesmo pode ocorrer com os homens. Hoje, conhecemos a chamada REDS (Síndrome de Deficiência Energética Relativa), na qual o gasto energético pelo exercício acaba sendo bem superior ao consumo calórico da dieta. A deficiência de testosterona em homens é apenas uma das consequências da REDS. Prejuízo na imunidade, problemas de sono, fadiga crônica e irritabilidade são alguns outros exemplos da sinais da doença em homens – aponta Oliveira.

De acordo com Roberto Zagury, muito mais do que produzir uma diminuição nos níveis de testosterona, o excesso de treinamento no homem traz malefícios também na esfera afetiva. No âmbito psicoafetivo, a pessoa pode ter mais irritabilidade e um sono prejudicado, por exemplo. No âmbito imunológico, há um desequilíbrio, desregulando-se com o exagero de treinamento e, dessa forma, a pessoa fica mais propensa a infecções principalmente de vias aéreas superiores.

A baixa produção de testosterona está entre os malefícios do overtraining — Foto: Internet

– Além disso, pode haver um prejuízo na massa óssea, tanto na qualidade quanto na quantidade de tecido ósseo; e assim, acabam surgindo as famosíssimas fraturas por estresse. Portanto, entendemos hoje que o impacto do overtraining não é apenas hormonal, mas sim multimodal e multifatorial, envolvendo uma ampla gama de setores do organismo da saúde masculina – explica o médico.

Hipogonadismo ligado ao exercício

De acordo com Ricardo Oliveira, o hipogonadismo masculino caracteriza-se por uma deficiência da produção de testosterona e/ou espermatozoide em homens. O excesso de exercício, sobretudo em um contexto de ingestão calórica limitada, é uma das causas desta entidade recém-descrita como “hipogonadismo ligado ao exercício”.

Entre os sintomas estão:

– Queda de libido

– Sintomas depressivos

– Irritabilidade

– Piora da concentração

– Perda de força e potência muscular

A maioria desses sintomas pode apresentar um impacto direto ou indireto sobre a performance do atleta, prejudicando o desempenho esportivo.

– Atualmente, cunhamos um termo, entendendo que era apropriado ter uma terminologia específica para apontar para essa condição: o hipogonadismo ligado ao exercício, que é uma forma funcional de hipogonadismo. Ou seja, não existe uma doença orgânica, um processo anatômico que seja identificável com exames de imagem, por exemplo, mas existe um processo funcional, uma desregulação do funcionamento do nosso organismo que começa lá em cima, no hipotálamo, que é uma região do nosso cérebro especializada capaz de controlar uma glândula muito importante que é a hipófise, que também fica no cérebro. Por sua vez, a hipófise controla várias glândulas do nosso organismo e, entre elas, os testículos, no caso do homem. Que são o sítio de produção da testosterona. No hipogonadismo ligado ao exercício, há uma diminuição na produção de testosterona por uma alteração funcional do hipotálamo e da hipófise – explica Roberto Zagury.

Piora da performance esportiva

Overtraining piora a performance esportiva em um curto prazo — Foto: Istock

O quadro de hipogonadismo ligado ao exercício pode prejudicar a performance esportiva, pois provoca alterações como menores força e resistência muscular e uma piora da recuperação muscular nos indivíduos acometidos, além de uma série de mudanças orgânicas prejudiciais. Isso ocorre porque o praticante de atividade física, com o objetivo de melhorar o seu desempenho, acaba treinando cada vez mais, entrando em um ciclo vicioso de busca pela perfeição. Assim, aumenta mais o volume semanal e a intensidade dos treinos e diminui os períodos de repouso, que são fundamentais para que o organismo se recupere.

– Senão der tempo para o organismo, não adianta treinar em alta intensidade, a pessoa não vai se tornar mais capaz, pelo contrário. Quando o atleta só vai treinando cada vez mais e passa do ponto, esse hipogonadismo (diminuição de testosterona) dialoga com o excesso de treinamento clássico, passando também por um estágio antes do overtraining, que é o chamado overreaching, que consiste em um aumento do volume e\ou da intensidade do treino. Após essa fase, o indivíduo entra no overtraining e, em vez de melhorar sua performance esportiva, a piora em um curto prazo – aponta Zagury.

Tratamento e cuidados

Nos casos de deficiência de testosterona causada pelo excesso de exercício físico, Ricardo Oliveira aponta que a principal medida a ser adotada é uma adequação de dieta e treinos. Segundo o médico endocrinologista e do esporte, o indivíduo deve:

– Fazer uma redução do volume de treinamento (em geral 20-30% do volume semanal), evitando os treinos mais longos, sobretudo aqueles que tem duração entre uma e duas horas;

– Um controle dietético também é fundamental, requerendo-se um aumento da ingestão calórica, incluindo quantidade de carboidratos e gorduras, muitas vezes negligenciado e demonizados por atletas;

– Nos casos que tais ajustes não forem suficientes para reverter todo o processo, a reposição hormonal com testosterona ou uso dos chamados moduladores seletivos do receptor de estrogênio (SERMs) pode ser necessário.

Roberto Zagury também reforça que a base do tratamento nesses casos é o destreinamento, ou seja, fazer o movimento no sentido contrário. Afinal, se o que produziu aquela deficiência funcional na produção de testosterona foi o excesso de treinamento, o tratamento é entregar para a pessoa uma agenda de repouso para que que ela possa desfazer o que que foi construído pelo overtraining.

– Outro ingrediente importante do tratamento é a paciência, embora seja muito difícil pedir para pessoa que está nessa situação dar tempo ao tempo. Às vezes a situação reverte rápido, mas nem sempre, pode ser preciso de três meses, seis meses ou até um ano para reverter o quadro. Então, a pessoa que se vê nessa situação acaba ficando insegura e ansiosa, mas na medicina às vezes o tempo faz parte do grande tratamento, como nesse caso – destaca o médico.

Além de tratar o quadro, é importante o atleta tomar alguns cuidados, sendo importante lembrar que os produtos derivados de testosterona são considerados doping, ou seja, pertencentes à lista de substância proibidas pela agência mundial anti-doping (WADA). Portanto, é fundamental que equipe médica esteja ciente e, caso esse tipo terapia seja de fato necessário, deve ser solicitada uma autorização para uso terapêutico (AUT) antes do início da competição. A agência regulatória de cada país avaliará o caso e decidirá pela autorização ou não. No Brasil, esta função é feita pela Agência Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD).

Outros cuidados incluem:

1 . Construir um programa de treinamento de tal forma que o atleta encontre equilíbrio entre intensidade e volume de treinos e repouso. E isso quem vai fazer melhor do que ninguém é um profissional de educação física, que vai montar um treino periodizado, com momentos de maior intensidade, mas também com momentos de menor intensidade e outros de descanso. A monotonia de treinamento é um um problema importante que empurra o indivíduo para o hipogonadismo;

2 . Ter atenção a questões de ordem pessoal: problemas financeiros, afetivos e familiares influenciam o desempenho esportivo. É importante não descuidar desses fatores extra-esporte, que muitas vezes exigem o apoio de um psicólogo, por exemplo.

Por fim, é importante destacar que atletas de endurance, sobretudo de provas longas (maratonas, ultramaratonas, ciclismo), esportes aquáticos (nos quais se treina horas por dia), dentre outros, estejam atentos à possibilidade da deficiência de testosterona. Diante da suspeita, a recomendação é procurar a equipe médica. Em muitos casos, um médico endocrinologista deverá ser consultado para avaliação criteriosa do caso – conclui Ricardo Oliveira.

Por: Marina Borges, para o Eu Atleta — Bauru, São Paulo

Fontes: Ricardo de Andrade Oliveira é médico endocrinologista e do esporte, ex-professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Departamento de Doenças Associadas da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Roberto Zagury é médico endocrinologista e coordenador do Departamento de Diabetes, Exercício e Esporte da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/exercicio-em-excesso-pode-reduzir-producao-de-testosterona.ghtml

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