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Excesso de tecido adiposo leva à inflamação crônica do organismo

Gordura corporal tem papel importante na manutenção da temperatura do corpo e como reserva de energia, por exemplo, mas em grande quantidade pode causar resistência à insulina, hipertensão e doença hepática gordurosa. Endocrinologista Guilherme Renke explica

O número de pacientes com obesidade e sobrepeso é cada vez maior. Apesar da crença de existirem “obesos saudáveis” e de que com a obesidade ocorra aumento apenas da gordura corporal, na verdade diversas são as modificações metabólicas prejudiciais nesses indivíduos. Felizmente para nós, especialistas, houve um significativo crescimento da nossa compreensão sobre o tecido adiposo branco e o marrom na última década.

A gordura corporal tem seu papel na saúde do organismo, mas o excesso de tecido adiposo leva à inflamação crônica que pode causar resistência à insulina, hipertensão arterial, doença hepática gordurosa e outras complicações. Existem pessoas obesas metabolicamente saudáveis, mas não está claro se isso é apenas um estado temporário.

O tecido adiposo é composto por adipócitos (células de gordura) que podem ser brancas, marrons, beges ou cor-de-rosa — Foto: Istock getty Images

Para explicar esse fenômeno, preciso voltar no tempo. Quando comecei a faculdade de medicina em 2004, a gordura era apenas uma coisa que “armazenava calorias”. Mas agora sabemos que não é apenas uma célula, são vários tipos de células, incluindo células imunes e algumas células sanguíneas. Ocorre renovação celular, e as células podem ficar maiores ou menores, então é um tecido dinâmico. Afeta o sistema imunológico e afeta a sensibilidade à insulina.

O tecido adiposo é composto por adipócitos (células de gordura) que podem ser brancas, marrons, beges ou cor-de-rosa, assim como por células imunes, fibroblastos, vasos sanguíneos e partes de células nervosas.

– A principal função do tecido adiposo branco é armazenar energia na forma de triglicerídeos. É comumente separado em gordura visceral e gordura subcutânea, que apresentam efeitos metabólicos negativos ou positivos, respectivamente. Os hormônios derivados dos adipócitos brancos são favoráveis ao metabolismo, as chamadas adipocinas, e incluem a leptina (regula o apetite) e a adiponectina (regula o metabolismo da glicose e dos lipídios). O tecido adiposo branco é essencial para o bom funcionamento do sistema reprodutivo, incluindo a secreção de hormônios (estradiol) e a lactação.;

– O tecido adiposo marrom consome glicose e triglicerídeos, gerando calor. Protege os recém-nascidos do frio à medida que desenvolvem a capacidade de tremer e, em adultos, é encontrado em depósitos no pescoço, ombros, tórax posterior e abdome. A quantidade de tecido adiposo marrom varia de acordo com o sexo e diminui com o aumento da idade e com o aumento do índice de massa corporal (IMC).;

As células de gordura marrom dentro dos depósitos de gordura branca são chamadas de células beges (uma junção de marrom e branco).

Gordura branca X Gordura marrom

Há muito mais gordura branca no corpo do que gordura marrom. Parece que a ativação da gordura marrom leva a efeitos benéficos no metabolismo, embora ainda não conheçamos todas as etapas de como isso acontece. É muito debatido agora se a gordura marrom pode se transformar em gordura branca e vice-versa (transdiferenciação).

Os seres humanos não nascem com todas as células de gordura que terão ao longo da vida. Na verdade, novas células de gordura são feitas ao longo de nossas vidas. Quando os adipócitos brancos armazenam muito triglicerídeo, eles ficam muito grandes e “doentes” e acabam morrendo mais rápido. A vida útil média de uma célula de gordura branca é de 15 anos. Ainda não temos ideia da vida útil de uma célula de gordura marrom.

Pesquisas recentes tentam usar a ativação do tecido adiposo marrom para tratar doenças metabólicas relacionadas à obesidade, para ver se isso pode levar à redução da inflamação, melhora no perfil de colesterol e diminuição da pressão arterial.

Genética x Tecido adiposo

Os genes provavelmente influenciam de 50% a 70% da obesidade — Foto: Istock Getty Images

Os genes provavelmente influenciam de 50% a 70% da obesidade. Mas essa alta porcentagem reflete o impacto de centenas de genes. Na maioria das pessoas, não existe um gene que exerça todos os efeitos, mas existem doenças extremamente raras em que um gene é responsável. Atualmente, apenas 20% de toda a variação fenotípica na obesidade pode ser explicada pelos milhares de genes identificados até agora.

Não é correto afirmar que a obesidade é causada apenas pelo armazenamento excessivo de gordura. Existem vários fatores contribuintes para impulsionar a obesidade, como os relacionados à alimentação rica em ultraprocessados, ao sedentarismo e ao padrão de vida pouco ativo das populações. A genética também influencia: a utilização de gorduras pelo metabolismo, os tipos de hormônios que são liberados pelo tecido adiposo e pelos músculos para regular o apetite, a resistência à insulina e a inflamação são totalmente diferentes entre as pessoas. “Cinco pessoas diferentes podem comer a mesma quantidade dos mesmos alimentos, mas haverá diferenças na quantidade de ganho de peso, saciedade e nas repercussões metabólicas de cada uma delas.”

Pessoas com sobrepeso, especialmente, aquelas com histórico familiar de obesidade, diabetes, hipertensão, hipotireoidismo e demais doenças metabólicas devem ter o acompanhamento do médico endocrinologista especialista no tratamento e prevenção dessas condições.

Possuir desde cedo um acompanhamento com nutricionista deveria, na minha opinião, ser implementado para todas as crianças e jovens independentemente dos padrões alimentares familiares, muitas vezes pobres em micronutrientes. Um indivíduo saudável é aquele que possui o mínimo conhecimento sobre as implicações metabólicas e nutricionais do alimento que compra no mercado e consome todos os dias, e deveria haver politicas publicas e educacionais nesse sentido, o que poderia evitar o cenário arrasador de crescimento das doenças metabólicas e da obesidade.

Referências:

– N Engl J Med 2022; 386:768-779 DOI: 10.1056/NEJMra2032804

Por: Guilherme Renke

Fonte: Guilherme Renke, Médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/post/2022/03/17/excesso-de-tecido-adiposo-leva-a-inflamacao-cronica-do-organismo.ghtml

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