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Entenda por que deixar de comer feijão aumenta o risco de obesidade

Dizem, o feijão virou o símbolo máximo do que seria a nossa cozinha graças ao Modernismo na década de 1920. Famintos por símbolos para representar o que seria a tal da brasilidade, artistas e intelectuais modernistas logo sacaram que esse alimento era servido à mesa de todos na nossa terra, dos mais ricos ao povão.

Voltando às nossas raízes, já era consumido pelos indígenas, socados no pilão. Deu força e sustentou um mínimo de saúde aos escravos vindos da África e, cozido com muito mais água para agradar ao paladar dos europeus, fazia parte da refeição dos portugueses que aqui desembarcaram.

O alimento, portanto, concentra a nossa gente e suas origens em cada grão, assumindo o protagonismo de preparações diferentes conforme a tradição de cada região, do tutu ao feijão tropeiro, passando pela feijoada e pelo simples companheiro do arroz.

Mas, se hoje em dia ele continuasse sendo a preferência dos brasileiros, quem sabe não encontrássemos duas em cada dez pessoas com obesidade por aí. A balança aponta que, no país, 42,6% da população está, no mínimo, um pouco acima do peso.

Foto: Reprodução/Internet

Para engrossar o caldo, o hábito de comer feijão vem diminuindo ano após ano. Se você perguntar para a nutricionista Fernanda Serra Granado o que uma coisa tem a ver com a outra, ela achará mais do que mera coincidência nos dois fenômenos.

Em uma pesquisa que ainda está quentinha, aguardando para ser publicada logo mais, Fernanda — que está no programa de pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) — notou que a probabilidade de alguém engordar além da conta é 10% maior se esse indivíduo não consome feijão. E o risco de desenvolver obesidade pra valer cresce em 20%.

Ela chegou a essa conclusão depois de analisar as informações de mais de 500 mil adultos, coletadas em entrevistas telefônicas entre 2009 e 2019 pelo Vigitel (o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito do Ministério da Saúde)

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Fernanda Granado dividiu essas pessoas em quatro grupos para compará-los entre si. Um deles era o de quem comia feijão regularmente, isto é, em mais de cinco dias por semana. A segunda turma era a do consumo moderado, que se serve desse alimento em três ou quatro dias da semana. Feijão no prato em apenas um ou dois dias da semana agrupou pessoas com consumo baixo e, claro, o último grupo era o daqueles que, infelizmente, riscaram essa opção da dieta.

Se quem deixou o feijão de lado não fez uma boa escolha pensando na balança, em compensação quem o saboreia em cinco ou mais dias da semana apresenta o que a ciência chama de fator de proteção. “O risco de ficar com excesso de peso, então, diminui em 14% e o de surgir a obesidade cai 15% em comparação com quem come feijão em três dias da semana “, conta a nutricionista.

O segredo dos feijões

Foto: Reprodução/Internet

Não imagine os grãos guardam algum componente mirabolante de dieta da moda. Não é por aí. O que eles têm com fartura são proteínas, vitaminas, sais minerais e fibras, o suficiente para saciar o desejo de uma alimentação mais rica e equilibrada. “Na verdade, são um marcador de qualidade nutricional”, explica Fernanda Granado.

Isso porque geralmente o feijão nunca está sozinho. Ao seu lado, costumamos encontrar uma saladinha, a parceria quase inseparável do arroz, legumes e uma fonte de proteína, feito um bife, um filé de frango, um peixe grelhado. Ora, um cardápio assim não favorece o ganho de peso.

“Já quando a pessoa tira o feijão do prato, o seu lugar pode ser ocupado por opções menos saudáveis”, observa Fernanda, dando como exemplo as salsichas, o macarrão instantâneo e a pizza industrializada. “E esses alimentos ultraprocessados têm relação direta com a obesidade”, diz ela.

Aliás, até no tempo o feijão é o oposto de um ultraprocessado. Enquanto este mata a fome de quem come voando, o grão pede para ficar de molho, gosta do fogo lento e só se apressa se a panela botá-lo na maior pressão.

Ou seja, quem costuma fazer um feijãozinho em geral fica mais tempo na cozinha para preparar uma refeição completa. Logo, quando a gente vê que uma pessoa come feijão, isso indica o seu gosto por comida caseira — disposição e disponibilidade para prepará-la também.

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Cada vez mais raro

O que preocupa Fernanda Granado e muita gente ligada em saúde é que esse hábito se torna cada vez mais raro. O consumo de feijão é prova disso.

Aliás, o que rendeu a pesquisa atual associando o seu consumo regular à proteção contra o ganho de peso foi outro estudo. Nele, Fernanda previu que o brasileiro vai deixar de comer feijão regularmente — isto é, entre cinco e sete dias por semana — em 2025. Esse desastre acontecerá em um “tirinho”, como diriam os colegas mineiros dessa nutricionista paulista de Campinas.

Na verdade, o ano de 2025 é uma média na linha do tempo. Desde 2022, a maioria das mulheres brasileiras só come feijão quatro vezes por semana ou até menos — algumas nem comem. Por ironia, seria por causa da preocupação com o peso? “Não acredito”, opina a pesquisadora. “Acho que as mulheres levam uma vida ainda mais corrida”, completa, esclarecendo que seu trabalho não levanta os motivos. Já a maioria dos homens brasileiros irá alcançar essa mesma marca de consumo de feijão aquém do desejável apenas em 2029.

A nutricionista conta que focou no feijão depois de constatar a queda do consumo de alimentos in natura em geral. De acordo com dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), em vez de se alimentar de uma maneira mais saudável, 7% da população consumia rotineiramente alimento ultraprocessado em 2002. Agora, cerca de vinte anos depois, esse é um hábito de 46% dos brasileiros.

“Quando olhamos para o feijão especificamente, vemos que seu consumo cai em todas as faixas de idade e em todas as classes sociais”, afirma. Daí ela querer examinar o impacto disso na saúde e encontrar a relação entre o abandono do feijão de todo dia e o ganho de peso.

Menos acessível do que no passado

Não tem nada melhor do que aquele almoço acompanhado de um feijão bem preparado e temperado. Foto: Reprodução/Internet

Dá para deduzir que o alimento se tornou ainda mais raro na panela das famílias economicamente mais vulneráveis. Não tem a ver apenas com a crise dos últimos anos que reabriu a ferida da fome no país.

O feijão, em especial, vem encarecendo um bocado. Fernanda Granado lembra que há uma redução das áreas destinadas ao seu cultivo, já que plantar milho ou soja é bem mais lucrativo, abastecendo os produtores de ração animal e da própria comida ultraprocessada, Sem contar chuvas e mudanças climáticas encolhendo as safras e, consequentemente, catapultando o preço.

Como aumentar as porções?

“O primeiro passo é informar a população para que faça melhores escolhas alimentares”, responde Fernanda Granado, que também elenca medidas de saúde pública bem-vindas, como subsídios aos grãos e a outros alimentos in natura paralelamente à maior taxação dos ultraprocessados. Assim, a distância de preço entre as duas opções favoreceria o feijão na boca do caixa.

“Já as empresas deveriam oferecer espaços equipados para que as pessoas tenham condições de levar uma marmita com a comida de casa”, acrescenta.

O que está ao nosso alcance de imediato, porém, é separar um intervalo na agenda para preparar um feijão gostoso. O abandono dessa tradição denota a fragilidade da nossa cultura diante de uma alimentação pronta e globalizada que só está levando o mundo inteiro a engordar e a adoecer.

Por: Lucia Helena Colunista UOL

Fontes Vigitel (o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito do Ministério da Saúde)

Fernanda Granado — que está no programa de pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares)

Transcrito: https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/lucia-helena/2023/02/28/entenda-por-que-deixar-de-comer-feijao-aumenta-o-risco-de-

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