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Desigualdade no prato: opções baratas à base alimentar não são dieta ideal

Com a alta nos preços, brasileiros recorrem a alternativas mais baratas para compor a alimentação. Especialistas ouvidos por VivaBem lembram que opções como pé de galinha, sambiquira, miúdos (rim de boi, por exemplo) têm seu valor nutricional, mas não fazem efeito por si só e precisam de uma dieta com mais vitaminas e minerais.

No entanto, o ponto é que a busca por comidas pouco usuais no cardápio brasileiro reflete a desigualdade e reforça o direito à alimentação adequada. “O alimento não pode ser visto só pela sua composição química, ele precisa ser visto pela mediação sociocultural”, afirma a nutricionista Daniela Sanches Frozi, professora do curso de Políticas Públicas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)

Arroz e feijão “diferentes”: cuidado com as fake news

Era fake news: fragmento de arroz é comercializado há décadas e não tem valor nutricional reduzido Foto: Internet

Imagens de fragmentos de arroz à venda viralizaram nas redes sociais como se fossem restos de comida que começaram a ser comercializados durante o governo Bolsonaro. O produto, entretanto, está regulamentado como apropriado para o consumo humano desde a Instrução Normativa de 2009, do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), e tem valor nutricional similar ao do arroz tradicional.

Os fragmentos de arroz são, na verdade, grãos que se quebram durante o processamento. Originalmente, vão para a produção de rações animais e subprodutos, como farinhas, mas são vendidos nos mercados também.

A nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), diz não haver alterações nutricionais significativas. “São descartes que ficam fora do padrão para serem vendidos, mas que normalmente trazem condição nutricional semelhante”, explica.

O arroz quebrado, também conhecido como quirera, tem variações conforme o tipo de grão: branco, parboilizado e integral, por exemplo. “Ele pode ser ingerido, mas quando você cozinha, há diferença na consistência, que fica mais pastosa. É uma fonte de energia, carboidrato, como qualquer cereal”, diz a nutróloga. Segundo a especialista, a manutenção nutricional ainda vale para o macarrão retalhado — versão comercializada dos fragmentos da massa.

Outro alimento que vem sendo mais notado nos mercados é o feijão bandinha, que também tem o grão “quebrado”. Entretanto, neste caso, há sim diminuição de fibras, pois a casca do grão (onde esse nutriente é mais encontrado) se rompe e é perdida. Com a exposição prolongada, os ácidos graxos podem oxidar e também perdem valor, mesmo que a parcela proteica siga igual à do alimento tradicional.

A ausência de casca ainda pode prolongar o cozimento, reforçando a necessidade de mais tempo de molho —entre 10 e 12 horas. “Às vezes, a economia que a pessoa fez ao comprar a bandinha, talvez gaste mais em gás para cozinhá-la”, pontua Garcez.

Alta nas carnes aumentou procura por outras opções

A carne vermelha desapareceu do prato de muitos brasileiros após o aumento acumulado de 38,17% nos últimos 12 meses, segundo dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Também ficou difícil comprar frango (alta acumulada de 19,77%), carne de porco (32,65%) e até o mesmo ovo (16,41%), opção naturalmente mais barata.

Pé de galinha, sambiquira e o rim de boi, por exemplo, são alternativas em conta, mas que sozinhas não configuram uma alimentação adequada.

A sambiquira, final da coluna do frango, é gordurosa e possui pouca proteína. “Cerca de 10% são compostos de proteína e há quantidade maior (30%) de gorduras totais. É uma fonte de proteína calórica e uma região com muita pele”, explica Marcella Garcez.

O pé de galinha, por sua vez, tem mais proteína e é conhecido pela concentração de colágeno. “Mas sabemos que a intenção de ninguém é comer colágeno e, sim, encontrar uma fonte proteica de menor valor”, completa a nutróloga. Há a ressalva, no entanto, de que nenhuma das opções substitui os ganhos de cortes mais “ricos” do frango, como o peito e coxa.

Ambas as partes, mesmo que já vendidas individualmente, costumam ir para o processamento de embutidos. “Elas viram CMS [Carne Mecanicamente Separada], quando são separadas do osso, moídas e usadas para fazer salsicha, mortadela, entre outros”, explica a engenheira de alimentos Maria Fernanda Francelin, coordenadora do curso de Segurança Alimentar da UniCesumar (PR)

Aceitabilidade cultural

Ao falar sobre alimentação, há o consenso de que ela vai além dos ganhos. É assegurado o direito a escolher o que se deseja ou não ingerir e de quais formas, o que se chama aceitabilidade e ética nutricional.

Assim como os alimentos acima, isso pode ser aplicado ao rim de boi, por exemplo. A nutróloga Marcella Garcez explica que ele concentra baixo valor calórico, assim como quantidade de gordura, e boa proporção de proteína. Na teoria, um alimento vantajoso, mas que não é do agrado de muitos. Por isso, comê-lo deve ser uma escolha, e não uma necessidade, por ser a única opção disponível.

Pontaroli lembra que o direito à alimentação adequada é expresso pela Lei de Segurança Alimentar e Nutricional (regulamentada pelo decreto Nº 7.272, em agosto de 2010). Um dos pilares, inclusive, descreve a importância de “observar as diversidades social, cultural, ambiental, étnico-racial” ao prover alimentos saudáveis e em quantidades suficientes.

Algo que contraria a cena de moradores em Cuiabá (MT) à espera da doação de ossos de boi, na expectativa de conseguir restos de carne. A alternativa está longe de ser nutricional e humanamente plausível.

Luciano André Barros Alves, desempregado, de Cuiabá, espera sua vez para levar um pacote de ossos bovinos para casa Imagem: Bruna Barbosa Pereira/UOL

Desigualdade nutricional

No Brasil, são cerca de 116,8 milhões de pessoas em insegurança alimentar, segundo pesquisa da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), divulgada em abril.

Os quadros se dividem em três níveis: leve (quando há incerteza sobre o acesso e qualidade da alimentação, assim como optar por produtos inferiores —ultraprocessados, por exemplo — para priorizar a quantidade nas refeições); moderado (adultos priorizam alimentar as crianças da casa —se houver — e, então, deixam de comer significativamente); e grave (privação extrema de alimentos, atingindo também as crianças)

Segundo Daniel Balaban, representante no Brasil do WFP (Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas), a crise causada pela covid-19 apenas acentuou um cenário já em curso. “O problema agora é que as pessoas começaram a ter menos recursos e os alimentos estão mais caros. Então, ficou muito mais distante para se ter uma dieta de qualidade”, explica.

Por: Sarah Alves

Colaboração para o VivaBem

Fonte: Daniela Sanches Frozi, nutricionista professora do curso de Políticas Públicas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)

Marcella Garcez, nutróloga diretora e professora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia)

Maria Fernanda Francelin, engenheira de alimentos coordenadora do curso de Segurança Alimentar da UniCesumar (PR)

Daniel Balaban, representante no Brasil do WFP (Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas)

Transcrito: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/08/04/desigualdade-no-prato-opcoes-baratas-a-base-alimentar-nao-sao-dieta-ideal.htm

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