De quem é a culpa, se a criança não come nada: dos pais ou do pequeno?
“Meu filho não come nada”; “Ele escolhe o que quer comer”; “Ele cospe toda comida”. Seja no consultório de pediatras e nutricionistas seja numa conversa entre pais aflitos e preocupados, a recusa alimentar de crianças é um assunto frequente e vem acompanhada da pergunta: de quem é a culpa?.
Não há um culpado único, mas sim todo o cenário no qual a situação foi se construindo, segundo Raquel Ricci, nutricionista e pesquisadora do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares do Instituto PENSI – Hospital Infantil Sabará.
Ela dá como exemplo uma criança que recusa comer macarrão com carne moída, cenoura e tomatinho. Na intenção de fazer com que ela coma a qualquer custo, a família passa a oferecer o que a criança pede insistentemente, como leite, pão ou só macarrão. “O objetivo foi cumprido (não ficar sem comer), mas de uma forma inadequada e sem orientação, ou seja, errada, mas por um bem maior, segundo os pais. Digo que o erro está em manter práticas sabendo que estão erradas”, comenta a especialista.
Definir culpas e responsabilidades não ajuda e transmite maior angústia e dificuldades no tratamento.Foto: Reprodução/Internet
Para a nutricionista Ana Suely de Andrade, a recusa alimentar é um problema complexo e, portanto, a palavra culpa não se aplica. Primeiro, deve-se avaliar se existem problemas orgânicos, emocionais, ambientais ou mesmo a combinação de ambos como base da recusa alimentar. “A família é a base da formação infantil em todos os seus aspectos e muitos problemas alimentares são originados pela atitude familiar como excesso de controle, comportamentos inadequados, pais muito permissivos ou negligentes”, diz ela, que atua na Uasca (Unidade de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente) do Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
“Definir culpas e responsabilidades não ajuda e transmite maior angústia e dificuldades no tratamento”, diz o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, coordenador do Cenda (Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares) do Instituto PENSI e professor associado do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Segundo ele, há necessidade de orientação e apoio, o que envolve conselhos, orientações, terapias e centros de acompanhamento quando necessários.
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Na mesma linha que a nutricionista Andrade, o médico diz que a família é o maior exemplo de comportamento. “São o espelho e os responsáveis pelo sucesso ou fracasso na oferta dos alimentos. Quase todas as famílias de crianças que não comem bem têm alguém que já apresentou ou apresenta problemas semelhantes, faz dieta ou tem problemas com a alimentação”, diz.
Ele dá alguns exemplos: se os pais não oferecem o alimento, não há como a criança conhecer ou aceitar um produto novo; se os próprios pais fazem cara feia ao expor o alimento, a criança não comerá; se a família distrai durante a refeição, a criança come menos ou pior; se a família não come determinados alimentos, a chance de as crianças o comerem é muito pequena; famílias que não comem juntas têm menor chance de ter uma alimentação mais adequada e equilibrada.
Criança é mais seletiva com alimentos.
Foto: Reprodução/Internet
Estudos realizados pelo Cenda mostram que de 3 a 5 mães de cada 10 dizem que o filho tem ou teve problemas importantes de alimentação. Entretanto, é importante deixar claro que a seletividade é algo inerente ao desenvolvimento da criança.
De forma geral, as queixas de seletividade ou recusa costumam ser mais relevantes na fase de introdução de alimentos complementares (por volta dos seis meses de idade); na fase de autonomia e diminuição do crescimento (final do primeiro ano de vida); durante a transição do alimento mais pastoso ao sólido (até o final do segundo ano); na idade pré-escolar.
À medida que a criança vai crescendo, ela vai aprendendo a exercer seus desejos, preferências e manifestando mais seus sentimentos, não somente com a comida, mas com tudo. Segundo a nutricionista Ricci, a recusa do comer passa a ser um problema quando isso traz angústia, medo, preocupação e incerteza à família, quando o momento da refeição deixa de ser agradável, quando há repercussão no estado nutricional da criança e quando os pais ficam em dúvida se o que estão fazendo está correto ou não. “Qualquer que seja o grau de seletividade alimentar, se gerar dúvidas, é melhor buscar ajuda especializada”.
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Do ponto de vista do pediatra Fisberg, a preocupação é avaliar se o problema é causado por alguma doença que possa ser tratada, se é uma condição de curta ou longa duração, se está relacionada a condições da própria criança, da família, da forma de alimentar, ou mesmo situações do ambiente. Para isso, é necessária uma excelente história clínica que avalie a vida da criança desde a gestação, aleitamento, como foi a mudança para novos alimentos, e problemas que possam identificar o quadro clínico.
Ele explica que os pais podem estar diante de diferentes situações, desde aquelas de menor gravidade como uma afta, lesões na boca ou garganta, até condições mais graves, como alergias aos alimentos, doenças respiratórias, do coração ou do desenvolvimento ou afetividade.
Forçar ou não?
Respeitar os sinais de fome, saciedade e interesse é fundamental Foto: Reprodução/Internet
É preciso entender que toda criança passa por fases de maior ou menor apetite. Comer é algo diário, que pode ser influenciado por diversos fatores, ou seja, ninguém come com a mesma vontade, volume e intenção todos os dias em todas as refeições.
Alguns estudos têm demonstrado que as crianças se tornam mais receptivas a novos alimentos após 10 ou mais exposições a eles, mostrando a importância da exposição e repetição dos alimentos em preparações e combinações diversas. No entanto, isso é diferente de ir contra a vontade dos pequenos, segundo Andrade, nutricionista da UFRN: “Nunca se deve forçar a criança a comer. Essas atitudes representam um risco. O uso da força, a insistência e a imposição dos alimentos são fatores que agravam ainda mais a recusa alimentar”
A nutricionista Ricci, do Hospital Infantil Sabará, alerta para o perigo de ensinar a criança a ter uma relação conflituosa com a alimentação. “Respeitar os sinais de fome, saciedade e interesse é fundamental, o que não se pode abrir mão é de proporcionar momentos e oportunidades adequadas de refeição”
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A seguir, veja dicas do que fazer para criar um ambiente agradável e estimulante para a criança comer de forma saudável e natural:
– Respeite o direito da criança de ter preferências e aversões
– Reveja os hábitos alimentares da família e varie o cardápio
– Ofereça os alimentos em pequenas quantidades para encorajar a criança a comer
– Eleja “o dia do novo”. Uma vez por semana, introduza na alimentação da criança uma comida saudável que ela nunca comeu
– Eleja “o dia do novo”. Uma vez por semana, introduza na alimentação da criança uma comida saudável que ela nunca comeu
– Estabeleça o tempo de duração e os horários das refeições, evitando a oferta fora desses horários
– Apresente os pratos de maneira agradável, com textura própria para a idade, evitando a monotonia alimentar
– Evite ruídos que distraiam a atenção da criança no momento da refeição
– Incentive a participação do pequeno durante o preparo dos alimentos e na montagem do prato
– Para crianças que ainda ingerem grandes quantidades de leite, deve-se diminuir o volume e a frequência, uma vez que líquidos suprem a sensação de fome
Dicas do que não fazer
– Não force, não ameace, não puna nem obrigue a criança comer
– Não brigue nem a coloque de castigo se ela não quiser comer
– Não ofereça recompensas, agrados ou presentes se ela comer
– Não utilize subterfúgios tais como o famoso “aviãozinho ou trenzinho”, tais atitudes desviam a atenção e comprometem a percepção dos alimentos
– Não demonstre irritação ou ansiedade durante a recusa alimentar. A criança deve se sentir confortável no momento da refeição
– Não disfarce os alimentos. A criança deve saber o que está comendo, isso favorece o aprendizado e a identificação de texturas e sabores
Por: Bárbara Therrie
Colaboração para o VivaBem
Fonte: Raquel Ricci, nutricionista e pesquisadora do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares do Instituto PENSI – Hospital Infantil Sabará.
Ana S uely de Andrade, nutricionista que atua na Uasca (Unidade de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente) do Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Mauro Fisberg,pediatra e nutrólogo coordenador do Cenda (Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares) do Instituto PENSI e professor associado do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)
Transcrito: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/03/31/de-quem-e-a-culpa-se-a-crianca-nao-come-nada-dos-pais-ou-do-pequeno.htm