Crononutrição: como ajustar os horários das refeições pode ajudar sua saúde
Nossos processos metabólicos e fisiológicos são sustentados por oscilações biológicas que ocorrem ao longo das 24 horas. Essas oscilações são controladas pelo relógio circadiano central, que é sincronizado conforme a informação que o organismo recebe se está claro (dia) ou escuro (noite).
No entanto, fatores ambientais, comportamentais, horário das refeições, a qualidade da alimentação, o sedentarismo e os ciclos do sono-vigília podem “desajustar” esse relógio central, muitas vezes resultando em uma infinidade de problemas metabólicos, como diabetes, pressão alta, colesterol alto.
O que é crononutrição e como ela pode ajudar?
Na última década, evidências se acumularam sugerindo que o horário das refeições afeta uma ampla variedade de funções fisiológicas, incluindo o ciclo sono/vigília, temperatura corporal central, desempenho atlético e saúde mental.
Além disso, o horário das refeições tem um efeito profundo na sensibilidade à insulina do músculo-esquelético e na saúde metabólica de todo o corpo. Portanto, pode ser manipulado para ajudar a prevenir ou tratar uma série de doenças relacionadas ao estilo de vida.
Isso foi denominado “crononutrição” e reflete uma nova apreciação de que o horário das refeições, além do conteúdo energético e da composição dos macronutrientes dos alimentos, é crítico para o bem-estar de um organismo. Assim, a “crononutrição” refere-se à sincronização da alimentação com os ritmos circadianos comandados pelo corpo.
Inúmeras estratégias de dieta foram propostas para conter a prevalência crescente de obesidade e distúrbios metabólicos induzidos pelo estilo de vida. Uma característica comum à maioria dessas dietas é a manipulação do ciclo de alimentação e jejum. A alimentação com restrição de tempo (TRE), em que a ingestão de energia é limitada a uma “janela” de cerca de 10 horas por dia —você só pode comer entre 9h e 19h, por exemplo—, surgiu como uma intervenção prática para aumentar o tempo de jejum, reduzindo o tempo durante o qual a energia é consumida.
O que dizem os estudos
Gill e Panda foram os primeiros a mostrar que 16 semanas de TRE em humanos com sobrepeso –IMC (índice de massa corporal) maior que 25 kg/m2– induziram uma perda de peso modesta (cerca de 3% da massa corporal) sem mudar a dieta, apenas diminuindo a janela de alimentação entre 10 e 14 horas por dia. Essa perda de peso foi mantida por 12 meses, sugerindo que o TRE pode ser uma estratégia prática para a manutenção do peso em longo prazo. Embora os participantes desse estudo não tenham sido solicitados a alterar a qualidade ou quantidade nutricional, a redução da duração da alimentação diária levou a uma redução de 20% na ingestão energética. Porém, esse estudo é limitado pelo número pequeno de voluntários e falta de grupo controle.
Gabel et al. relataram que 23 indivíduos com obesidade que aderiram a 12 semanas de TRE tiveram uma perda de 2,6% da massa corporal. Outros estudos também observaram pequenas reduções na ingestão de energia ao implementar TRE de 8 a 10 horas por dia, tornando difícil atribuir a perda de peso apenas ao momento da ingestão de energia.
Um estudo recente sugere que os benefícios do TRE para a saúde podem ser independentes da perda de peso. Em um ensaio supervisionado de TRE precoce (eTRE), em que todas as refeições foram fornecidas aos participantes, Sutton et al. estudaram homens com pré-diabetes que foram randomizados para eTRE (refeições consumidas em uma janela de 6 horas) ou um padrão alimentar irrestrito (refeições consumidas por 12 horas) por 5 semanas. Nenhuma medida de composição corporal ou atividade física foi avaliada. Comparado com a alimentação irrestrita, o eTRE melhorou a sensibilidade à insulina, a pressão arterial e o estresse oxidativo, embora medidas selecionadas de apetite também tenham sido modificadas.
*É importante notar que as intervenções dietéticas com restrição de energia sem um estímulo de exercício geralmente induzem uma perda de cerca de 250 a 300 gramas de massa muscular para cada quilograma de peso perdido.
O relógio circadiano afeta o metabolismo hormonal, com o horário das refeições ajustando a biologia endócrina no que diz respeito ao controle glicêmico. Um influxo de glicose proveniente da produção hepática de glicose estimulada pelo cortisol ocorre por volta das 8 horas da manhã, quando os níveis de cortisol costumam atingir o pico após o despertar. Atrasar (porém, não pular) o café da manhã para o final da manhã e perder a liberação circadiana de glicose hepática pode melhorar o controle glicêmico pós-prandial. A secreção e a sensibilidade de insulina também estão sob regulação circadiana: esses parâmetros aumentam no início do dia e diminuem à noite, mesmo quando há jejuns de 12 horas entre as refeições. Assim, a redução da sensibilidade à insulina à noite explica a tolerância diminuída à glicose medida em resposta ao consumo noturno no jantar.
Uma questão importante para os resultados de saúde e a praticidade da implementação de intervenções de TRE é se a janela de horário das refeições ao longo do dia, bem como a hora de início/término das refeições, está associada à magnitude da melhoria nos marcadores de saúde. Estudos de TRE “tardio”, ou quando a ingestão total de energia foi restrita às refeições consumidas após 16:00 horas, resultaram em glicemia de jejum prejudicada, tolerância à glicose reduzida e aumento da taxa de fome. Estudos que iniciaram a TRE no meio do dia não mostraram efeito ou tenderam a ser benéficos em relação ao controle glicêmico. No único estudo comparativo de TRE com janela de tempo até o momento, Hutchison et al. comparou 1 semana de eTRE (08:00 as 17:00 horas) com TRE atrasado (12:00 as 21:00 horas) em homens com risco de desenvolver diabetes tipo 2. Ambos os protocolos melhoraram o controle glicêmico em resposta a uma refeição teste, mas apenas o eTRE melhorou os níveis de glicose em jejum durante a noite. Claramente, há uma compensação entre a viabilidade de realizar o TRE e a adesão a uma janela de TRE ideal que se alinha com os ritmos circadianos saudáveis.
Em termos de sustentabilidade, o TRE parece oferecer uma vantagem prática sobre intervenções de dieta restrita em energia mais rígidas, uma vez que não há instruções específicas sobre restrição energética ou escolhas alimentares equivocadas. No entanto, os tipos de alimentos que consumimos frequentemente estão alinhados com horários distintos do dia; o álcool normalmente é consumido no final do dia, assim como os alimentos doces (açúcar refinado), como sorvete. Uma redução na ingestão de alimentos no final do dia pode não apenas reduzir a ingestão total de energia, mas também restringir a ingestão alimentar de alimentos calóricos e melhorar a qualidade geral da dieta. No entanto, também é possível que colocar restrições de tempo na alimentação possa resultar em escolhas alimentares mais precárias para alguns indivíduos.
Já com relação aos exercícios, o momento ideal de exercício para maximizar os benefícios para a saúde é atualmente desconhecido e provavelmente confundido por uma série de variáveis de empenho agudo de exercícios aeróbicos (ou seja, treinamento intervalado contínuo ou de alta intensidade) à tarde noite melhora o controle glicêmico, provavelmente devido ao tempo em relação à resistência à insulina relacionada ao circadiano e ao estado pós-prandial. O exercício resistido realizado pela manhã, tarde ou noite melhora a geração de força (ou seja, força muscular).
No entanto, não há um consenso claro sobre os méritos de realizar exercícios matinais ou noturnos com relação a melhorias superiores na capacidade aeróbia ou treinamento de resistência/adaptações de força. Embora tenha sido proposto recentemente que a hora do dia é um modificador importante das respostas/adaptações ao exercício e das vias metabólicas associadas e que há um ritmo diurno-noturno na expressão do mRNA dos genes do relógio molecular no músculo esquelético humano, estudos pedem cautela com relação às recomendações sobre o “horário ideal do dia” para se exercitar para obter os benefícios ideais para a saúde: o estado de saúde individual (ou seja, doença cardiovascular / hipertensão conhecida), objetivos pessoais de exercício e viabilidade devem ser considerados.
Assim, a saúde cardiometabólica ideal para indivíduos com risco de doenças crônicas relacionadas ao estilo de vida resulta de intervenções nas quais a ingestão alimentar é reduzida e/ou a qualidade é melhorada, e exercícios — duração e intensidade suficientes — são realizados. Entretanto, a adesão às mudanças nos padrões alimentares habituais é frequentemente considerada mais árdua do que a terapia médica e a maioria dos indivíduos relata “falta de tempo” como o principal motivo para não praticar exercícios regulares.
Como tal, o debate torna-se “que prioridade deve ser dada à modificação da dieta versus implementação de treinamento físico para melhorar os resultados de saúde?”
Como a energia, por meio dos alimentos, é necessária para sustentar a vida, talvez não seja surpresa que as modificações dietéticas sejam frequentemente as primeiras na linha de ataque no arsenal de intervenções no estilo de vida para prevenir/tratar muitas doenças metabólicas. Embora haja um extenso menu de opções dietéticas disponíveis para melhorar os resultados metabólicos da saúde, seu sucesso ou fracasso, como acontece com qualquer intervenção de exercício, depende da adesão a longo prazo.
Referências:
– Parr, Evelyn B.1; Heilbronn, Leonie K.2; Hawley, John A.1 A Time to Eat and a Time to Exercise, Exercise and Sport Sciences Reviews: January 2020 – Volume 48 – Issue 1 – p 4-10 doi: 10.1249/JES.0000000000000207
– Walker MP, Brakefield T, Morgan A, Hobson JA, Stickgold R. Practice with sleep makes perfect: sleep-dependent motor skill learning. Neuron. 2002 Jul 3;35(1):205-11. doi: 10.1016/s0896-6273(02)00746-8. PMID: 12123620.
– Walker MP, Brakefield T, Seidman J, Morgan A, Hobson JA, Stickgold R. Sleep and the time course of motor skill learning. Learn Mem. 2003;10(4):275-284. doi:10.1101/lm.58503
– ACSM. Disponível em: https://www.acsm.org/home/
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do saudevitalidade.com
Paola Machado
Colunista do VivaBem
Fonte: Paola Machado é formada em educação física, mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutora em ciências da saúde (foco em fisiopatologia da obesidade e fisiologia da nutrição) pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre exercícios, nutrição esportiva.
Transcrito: https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/paola-machado/2021/08/12/crono-nutricao.htm