Comportamento sedentário aumenta o risco de morte por câncer
Dia Mundial de Combate ao Sedentarismo: manter-se ativo pode diminuir as perspectivas de mortalidade pela doença em até 80%
Evitar o comportamento sedentário reduz o risco de morte por câncer, segundo estudo publicado no ano passado no JAMA Oncology por pesquisadores do MD Anderson Cancer Center, da Universidade do Texas, em Houston, nos Estados Unidos. As descobertas sugerem que pessoas que ficam horas sentadas podem ter até 80% mais chances de morrer de câncer quando comparadas àquelas que estão em movimento. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, o Brasil registrou cerca de 420 mil novos casos de câncer em 2019, chegando a mais de 600 mil casos se for contabilizado câncer de pele não melanoma, com menor índice de mortalidade. Segundo estimativas, as mortes pela doença no país, que hoje chegam à casa de 220 mil óbitos por ano, podem, em 2029, superar a quantidade de óbitos provocados por doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, que são cerca de 300 mil anualmente. Uma política pública que leve grande parcela da população a abandonar o sedentarismo pode, portanto, ter grande impacto na redução dessa taxa de mortalidade pela doença.
– Câncer é uma palavra usada para descrever mais de 200 doenças diferentes. Mas quase todas têm um aspecto em comum: a capacidade de invadir estruturas vizinhas e de metastatizar, ou seja, espalhar-se para órgãos distantes do local de origem. Também sempre haverá uma alteração genética na sua origem, podendo ser hereditária, adquirida ou ambas – explica o médico oncologista Marcelo Dotto, membro da American Society of Clinical Oncology.
Os homens e mulheres que passaram mais horas numa cadeira tiveram uma mortalidade de 82% maior durante o período de acompanhamento do estudo do que aqueles que se sentavam menos e se movimentavam mais — Foto: internet
O estudo
O sedentarismo está associado ao desenvolvimento de doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e obesidade, entre outras doenças. Em relação ao câncer, outros estudos também já encontraram associações entre inatividade e a morte pela doença. Mas a pesquisa da Universidade do Texas trouxe um novo panorama sobre a inatividade no dia a dia ao se debruçar sobre a quantidade de horas que as pessoas passam paradas/sentadas, examinando se e como surtos ocasionais de exercício podem alterar essa equação de risco. Com dados capturados desde 2002, o estudo contou com um grupo de mais de 30.000 homens e mulheres de meia-idade e mais velhos, reunindo detalhes sobre estilo de vida, saúde e condições médicas. Dois detalhes são importantes:
1.Dos 30 mil voluntários, cerca de 8 mil, além de contribuírem com dados ao longo dos anos, concordaram em usar um sofisticado rastreador de atividades por cerca de uma semana, para registrar com que frequência e vigor se moviam e o quanto de tempo permaneciam parados;
2.Os participantes do grupo analisado tinham pelo menos 45 anos quando ingressaram no estudo, com saúde variando de boa a desequilibrada. Alguns apresentavam sobrepeso, eram fumantes, diabéticos ou portadores de pressão alta, quando não todas essas condições ao mesmo tempo; enquanto outros eram relativamente saudáveis e mantinham uma rotina regular de exercícios.
Quando analisados os dados rastreados das atividades desses voluntários, observando quantas horas por dia, em média, eles passavam imóveis, se constatou que a maioria era, de fato, bastante sedentária. Das 16 horas acordadas, boa parte passava cerca de 13 horas, na maioria dos dias, em uma cadeira ou inativa. Ainda de acordo com as leituras dos rastreadores, havia também outra parcela do grupo que estava em movimento com frequência, realizando atividades simples como passear, limpar a casa ou se exercitar ativamente, com passos medidos a cada minuto. Ao final, os pesquisadores dividiram os voluntários com base em quanto tempo diário se movimentavam. Depois, verificaram os registros de óbito, procurando ver quem poderia ter falecido recentemente por qualquer tipo de câncer e examinaram, estatisticamente, se a probabilidade de morrer de câncer aumentava entre os sedentários. As conclusões foram:
– Os homens e mulheres do grupo que passaram mais horas numa cadeira tiveram uma mortalidade de 82% maior durante o período de acompanhamento do estudo do que aqueles que se sentavam menos e se movimentavam mais. Essa associação continuou aparecendo mesmo quando os cientistas controlaram fatores como idade, peso, sexo, saúde, status de fumantes, educação, localização geográfica e outros fatores. O comportamento sedentário aumentou, portanto, a probabilidade da morte por câncer em todos os grupos.
– Além de atestar 82% de mortalidade a mais para quem fica parado, a pesquisa apontou que a cada 30 minutos que alguém se exercitava em vez de continuar sentado, o risco de morrer mais tarde pela doença caía em 31%, mesmo se os exercícios não fossem vigorosos.
– Na pessoa que substituía 10 minutos de seu tempo habitual por passeios leves, tarefas domésticas ou outras, o risco de morrer de câncer caía em cerca de 8%. Ou seja, levantar e andar, mesmo que devagar ou apenas por alguns minutos adicionais por dia, já tem o seu valor.
Para o indivíduo já diagnosticado com câncer, Marcelo Dotto aponta que essa pessoa deve ser estimulada a manter uma rotina de atividades físicas, dentro das suas capacidades, tanto durante como após o tratamento.
– Estudos apresentados em congressos médicos recentes mostraram que mulheres portadoras de câncer de mama tiveram, quando mantidas as atividades físicas como parte do tratamento, uma redução muito significativa nos índices de recaída da doença, Além disso, a manutenção da atividade física gera uma queda na taxa de sarcopenia (perda de massa muscular), tolerando melhor os tratamentos oncológicos e gerando melhores resultados – conta o oncologista
A médica Susan Gilchrist, cardiologista do MD Anderson Cancer Center e líder da pesquisa, ressalta que, embora não seja um experimento randomizado e que nem possa nos dizer que ficar parado causa mais mortalidade por câncer, e sim apenas que os dois estão ligados, os dados do estudo sugerem que “mesmo uma pequena quantidade de atividade física extra, por mais leve que seja, pode trazer benefícios para a sobrevivência ao câncer”. O oncologista Marcelo Dotto concorda com a premissa, acrescentando os aspectos positivos em torno do estudo.
– Estima-se que a segunda causa evitável de câncer seja o sedentarismo e obesidade, suplantado apenas pelo tabagismo. A importância desse novo estudo é que ele conseguiu relacionar especialmente o sedentarismo e o risco de morte por câncer, ajustando a outras variáveis que podem confundir o resultado final, como é o caso do IMC (índice de massa corporal) e consumo de álcool. Ficou muito claro que quanto maior o sedentarismo, maior será o risco de morte. Então, até mesmo trocar o sedentarismo por atividades de leve intensidade, como caminhar, passear ou simples atividades domésticas diárias, resultou em redução de mortalidade. A mensagem do estudo é clara: saia do sofá – aconselha o médico.
É preciso ressaltar que o estudo, apesar da enorme base de dados, ainda é um dos primeiros na associação entre o excesso de inatividade numa cadeira e a morte por câncer e, portanto, tem suas limitações, já que, por exemplo, não aponta se a inatividade muda diretamente nosso corpo ou se outros fatores, incluindo o que comemos ou bebemos enquanto sentados, também influenciam no risco de morrer pela doença. Outro ponto é o fato da pesquisa analisar apenas a mortalidade, deixando de lado o sedentarismo como fator de risco para desenvolver a doença. Por fim, o estudo agrupou na pesquisa todos os tipos de câncer, não especificando as diferenças de cada grupo da doença.
Por quanto tempo se movimentar?
Manter uma rotina física, sobretudo em período de quarentena, ajuda no combate a distúrbios psicológicos que são potencializados pelo isolamento social — Foto: Internet
A pesquisa da Universidade do Texas pontua que 10 minutos realizando tarefas leves dentro de casa já pode surtir efeito e colaborar na diminuição da mortalidade por câncer. No entanto, para quem busca algo ainda mais contundente para a rotina, evitando condições do sedentarismo e doenças cardiovasculares, a OMS (Organização Mundial da Saúde) classifica como o mínimo para não ser considerado sedentário manter 150 minutos de atividade moderada ou 75 minutos de atividade intensa por semana. Ou seja, uma média de 30 minutos por dia de atividade física.
Além disso, manter uma rotina física, sobretudo em período de quarentena, ajuda no combate a distúrbios psicológicos que são potencializados pelo isolamento social. A psicóloga esportiva Karina Arruda ressalta as vantagens de manter as atividades físicas mesmo com as restrições de sair à rua.
– Exercícios físicos são um excelente tratamento para casos como ansiedade e depressão pela sua liberação de hormônios, servindo como medicação por ter esse efeito quase antidepressivo, além de ajudar também em problemas cardiovasculares, na qualidade do sono, no vigor físico, na clareza de pensamento, todas elas vantagens psíquicas que são oriundas da atividade física e importantes num momento de confinamento como o nosso – pontua Karina.
Segundo dados da OMS, quase metade da população brasileira (47%) não pratica o mínimo de exercício para manter o corpo saudável, o que faz do Brasil o líder do ranking de sedentarismo na América Latina e o quinto mais sedentário do mundo. Para quem deseja não perder o foco e deixar a saúde de lado durante a quarentena, ou ainda busca começar uma rotina de treino, é preciso ter em mente três passos.
Uma boa noite de sono
Não existe vida saudável sem uma boa noite de sono — Foto: Internet
Não existe vida saudável sem uma boa noite de sono. Além de ser fundamental na recuperação do corpo no pós-treino, “dormir bem” diminui o estresse e a ansiedade, fortalecendo a saúde psíquica. Para descansar e obter uma boa noite de sono, você pode buscar algumas técnicas de meditação e relaxamento no fim do dia, como a yoga, que traz diversos benefícios, trabalhando de forma interligada o corpo e a mente, e auxilia nas dores no corpo e na coluna, além de melhorar o equilíbrio e facilitar o emagrecimento. É recomendado também o afastamento programado dos aparelhos eletrônicos.
Aposte em diversas modalidades
Durante a pandemia o que não faltaram foram adaptações de treinos. Existem boas opções como a calistenia, onde é possível usar o próprio corpo para o treino, e outras práticas como pilates, balé, luta ou a própria musculação com objetos de casa, sempre com moderação e respeito aos limites do corpo e, de preferência, com orientação profissional. A psicóloga do esporte Karina Arruda aponta que pode ser uma boa hora para descobrir algo que você goste.
– Um praticante de atividade física que está vivenciando a prática física com mais prazer, absorve melhor as habilidades técnicas e evita a ocorrência de lesões – pontua Karina.
Tenha motivação e responsabilidade
Nem sempre temos disposição para malhar. É importante pensarmos que precisamos nos manter ativos nos exercícios, para não ficarmos ansiosos, em pânico ou depressivos. A atividade física, além de proporcionar felicidade, também pode ajudar na nossa imunidade — tudo o que precisamos agora.
Por: Luís Ricardo, Para o Eu Atleta — Bauru, SP
Fonte: Karina Arruda, psicóloga do esporte
Susan Gilchrist,médica cardiologista do MD Anderson Cancer Center e líder da pesquisa
Marcelo Dotto,médico oncologista membro da American Society of Clinical Oncology
Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde
Transcrito: https://globoesporte.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/comportamento-sedentario-aumenta-o-risco-de-morte-por-cancer.ghtml