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Como os exercícios físicos afetam nossa relação com os alimentos

Muitas vezes as pessoas atribuem o ganho ou redução de peso a um único fator. Por exemplo: “Tirei o pão e emagreci!”; ou “Estou engordando por conta do pão!”. Percebam como é comum essa a mania de terceirizar a culpa e escolher um alvo para o resultado de todo um processo.

Quando a pessoa está disposta a alcançar um objetivo —já falei aqui sobre o modelo Transteórico de Prochaska —, ela minimamente está na fase de contemplação, isto é, uma fase que está disposta a mudar de alguma forma. Então, no exemplo “Tirei o pão e emagreci!”, perceba que junto com o “tirar o pão” há uma sequência de mudanças, como a escolha por alimentos mais saudáveis, aumento de atividades físicas diárias etc. —mas como o pão parece o problema central para você, você atribui o resultado somente a ele. O mesmo pelo acontece na situação oposta.

Porém, esse processo tem que acontecer de forma consciente, planejada para que não haja confusão entre o que de fato precisamos e o que podemos utilizar como recompensa e merecimento.

A inclusão de exercícios físicos afeta nosso relacionamento com os alimentos de maneira física e psicológica, por isso, é necessário ter consciência das nossas escolhas.

Quando iniciamos uma rotina de treino, estamos em busca de algum objetivo —seja saúde, seja estética. É natural o desejo de mudar de alguma forma e buscar o melhor para nosso organismo. Por isso, naturalmente, já organizamos nossas refeições (mesmo que sozinhos), buscamos o que ingerir antes e após os treinos, prestamos atenção —pelo menos inicialmente— no que teremos de oferta alimentar na nossa geladeira.

Porém, existe também um outro lado, de pessoas que se recompensam com uma bela refeição, ou seja, treinam e por “merecimento” param em um fast-food ou ingerem um alimento extremamente calórico.

Dessa forma, planejar refeições e estar ciente de como os exercícios afetam nosso apetite e a percepção dos alimentos pode facilitar as mudanças no estilo de vida.

Uma pesquisa publicada na revista Nutrients mostra pontos muito importantes para esclarecermos essa relação. O estudo examinou a conexão entre a atividade física e seus efeitos sobre como e o que comemos. Foram entrevistados 41 adultos saudáveis, com peso normal (IMC médio 23.7) —23 mulheres e 18 homens— com idade entre 19 e 29 anos.

Em ordem aleatória, um grupo completou 45 minutos de exercício aeróbico e o outro uma condição de controle de repouso. A quantidade de alimentos e as preferências alimentares intertemporais (preferência para consumo imediato versus tardio, após quatro horas) foram avaliadas por meio de questionários eletrônicos com dicas visuais dos alimentos.

Durante cada visita, aqueles designados ao grupo de exercícios responderam a questionários eletrônicos antes da atividade física, dizendo o quão famintos ou satisfeitos estavam, a quantidade de alimento (tamanho da porção) e a escolha entre os tipos de alimentos.

Depois de responder a este questionário, os participantes completaram seus 45 minutos de exercício em uma bicicleta ergométrica. Logo após o término, eles preencheram o questionário uma segunda vez. E ainda responderam às perguntas novamente depois de 30 minutos de descanso. Aqueles que não estavam no grupo de exercícios também completaram todas as três rodadas de questionários, mas em vez de 45 minutos de exercício, eles repousaram por esse tempo.

Comparando os grupos, o que fez o exercício teve um aumento na quantidade de alimentos escolhidos tanto imediatamente após o exercício quanto após um descanso de 30 minutos, sendo que, dentro do grupo que treinou, esse aumento foi menos robusto logo após o treino do que 30 minutos depois.

Existe um quadro de redução na sensação de fome ou apetite de uma pessoa durante e logo após o exercício. Este fenômeno é causado por hormônios anorexígenos e reações nos hormônios estimuladores do apetite, como resultado do exercício, podendo justificar o aumento menos robusto logo após o exercício.

Porém, por que alguém pode comer mais comparado a quem não treina após o exercício? Simples. Nosso corpo sabe das nossas necessidades e responde a estímulos psicológicos —sensação de “recompensa”— e fisiológicos do exercício —sinais metabólicos e endócrinos do seu corpo que estimulam a ingestão de alimentos para compensar o aumento do gasto energético do exercício.

Por isso, precisamos ter a consciência do que nosso corpo realmente precisa e não confundir a relação de necessidade fisiológica com “merecimento” ou “recompensa”.

Saiba que seu corpo é mais inteligente do que você pensa e ele vai querer buscar a energia que utilizou. Assim, se não trabalhamos a consciência e impulsividade, podemos optar por alimentos altamente calóricos. Aí você dirá: “Falei que não tinha que treinar. Não funciona. Treino, treino e não tenho resultados!!!”. É claro. Se você quer emagrecer e ao mesmo tempo busca se recompensar a cada treino com calorias extras, a conta não fecha.

Organize seu dia

A redução de gordura não é uma equação matemática de calorias que entram e saem. Ela ocorre por um conjunto de diversos fatores, com uma lógica totalmente individual. Em um dia, você faz muito mais do que treinar e comer. Você dorme, alonga, corre, come um pão, toma um sorvete, almoça uma salada e coloca uma porção de batata frita, tasca um amendoim que está no armário, senta no sofá, senta para trabalhar… Enfim, emagrecer é muito complexo e depende muito dos impactos das suas escolhas e ações durante o seu dia.

Por isso, é necessário parar e pensar. Se organizar. A primeira e principal pergunta é: “Qual o meu objetivo com essa mudança?”

Tendo esse objetivo estabelecido, comece a trabalhar seus momentos de impulso —que não são só em escolhas alimentares. Preste atenção nos impulsos dentro de um dia. Uma reação não esperada com alguém, uma resposta que você se arrependeu de dar para alguém, uma ação não pensada, um xingamento no trânsito, enfim, todas as ações. O impulso não se trabalha em uma condição e sim na vida. Uma vez que mudamos essa conduta, começamos a mudar em tudo.

Feito isso, organize. Organize sua casa, seu armário, tire as roupas que não usa mais, mantenha seu ambiente de trabalho com tudo no lugar. Perceba que essas mudanças fazem com que você, de fato, organize sua vida, sua alimentação, sua rotina.

Estabeleça então uma rotina. O horário que vai tomar seu café da manhã, almoçar, jantar, o horário de treino. Faça desses horários um tempo seu, indispensável e que você não pode desmarcar, afinal, nosso corpo não pode esperar para receber depois os cuidados necessários.

Entenda que você consegue se condicionar a mudar a sua vida quando o seu objetivo é você, sua felicidade, sua vida e longevidade. Pare de pensar que amanhã você consegue resolver o que você não resolveu hoje (se tivesse começado ontem, já estaria na vantagem hoje; porém, nunca é tarde para começar)

Pense no seu dia como único e crie um balanço que tende mais para “meta e cumprida” ao fim do dia. Ah, e pare de culpar um momento, um alimento, um fator e se esquecer de colocar na balança sua história —que está ali no formato de emoções, sintomas físicos e até estocado na forma de gordura (digo sempre que a gordura é uma consequência e não aparece de um dia para outro, isto é, ela vem de uma sequência de escolhas, histórias, momentos, emoções)

Por isso, saiba que, quando mudamos, temos que mudar verdadeiramente, na prática, pensando: “Conseguirei levar esse estilo de vida para o resto da minha vida sem ser um peso e sim um momento de prazer?”

Referências:

– Koehler K, Beckford SE, Thayer E, Martin AR, Boron JB, Stevens JR. Exercise Shifts Hypothetical Food Choices toward Greater Amounts and More Immediate Consumption. Nutrients. 2021; 13(2):347. https://doi.org/10.3390/nu13020347

– WHO. Disponível em:https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do saudevitalidade.com.br

Por: Paola Machado

Fontes: Paola Machado é formada em educação física, mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutora em ciências da saúde (foco em fisiopatologia da obesidade e fisiologia da nutrição) pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre exercícios, nutrição e saúde. CREF: 080213-G | SP

Transcrito : https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/paola-machado/2021/05/20/exercicios-fisicos-afetam-nosso-relacionamento-com-os-alimentos.htm

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