Combinação entre comer tarde da noite e pular café da manhã engorda
Endocrinologista analisa estudos sobre o impacto dos horários das refeições no aumento do sobrepeso e obesidade em todo o mundo
Os padrões alimentares da nossa população mudaram muito nos últimos 40 anos. Com base nos dados do estudo NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey) desde a década de 70 até hoje, as mulheres entre 20 a 74 anos tiveram uma diminuição na energia total consumida de refeições (café da manhã, almoço e jantar) e um aumento na proporção de calorias consumidas derivadas de pequenos lanches.
Tendências semelhantes foram relatadas entre os homens. A proporção de homens e mulheres que relataram consumir todas as três principais refeições do dia caiu de 73% para 59% entre os homens e de 75% para 63% entre as mulheres, refletindo realmente mudanças nos padrões alimentares da nossa sociedade.
Na verdade, demonstrou-se claramente que os adultos agora comem o tempo todo e isso está relacionado diretamente com aumento do sobrepeso e da obesidade em todo o mundo. No entanto, não podemos negar que nosso organismo tem suas próprias necessidades, características metabólicas e, portanto, a alimentação e o horários de jejum regulam todos os aspectos do nosso metabolismo. Assim, o horário das nossas refeições pode ter sérias implicações para o desenvolvimento de doenças, especialmente a obesidade, cardiovasculares, diabetes tipo 2 e outras doenças crônicas não transmissíveis.
Relógio biológico e genes relacionados
Os ritmos circadianos (período de cerca de 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico dos seres vivos) do corpo são controlados por um relógio central localizado no núcleo supraquiasmático (grupo de neurônios que regula os ritmos circadianos) do hipotálamo (parte do encéfalo), mas também por relógios periféricos dos órgãos. Embora o relógio principal seja fortemente estimulado pela luz do dia, relógios periféricos enviam as necessidades de cada órgão. Além disso, os órgãos respondem ao suprimento de alimentos e à restrição temporal de alimentos. Por exemplo: em estudos, os alimentos consumidos no período normal de sono podem desacoplar relógios periféricos do nosso relógio central. Talvez a maior prova disso seja a maior incidência de diabetes e sobrepeso nos trabalhadores noturnos.
De fato, a alimentação com restrição de tempo altera o ritmo circadiano e as transcrições de genes que podem ser relevantes para a nossa saúde cardiometabólica. Os genes CLOCK e BMAL1 são implicados na regulação de genes envolvidos no metabolismo lipídico, por exemplo. Polimorfismos no gene CLOCK correlacionaram-se com o desenvolvimento da síndrome metabólica; já aqueles com gene BMAL1, com diabetes 2 e hipertensão.
Portanto, o tempo de alimentação e a entrega de nutrientes podem ter, sim, implicações cardiometabólicas na saúde através de alterações dos nossos relógios biológicos periféricos, principalmente no fígado.
Café da manhã: solução ou problema?
Uma abundância de dados suporta uma associação entre pular o café da manhã e maior adiposidade corporal. Isso levou a recomendações para consumir o café da manhã como possível estratégia para alcançar um peso corporal saudável.
Essa associação entre o pulo do café da manhã e maior índice de massa corporal (IMC) foi relatada globalmente, principalmente em estudos. Por exemplo, no estudo NHANES (1999 a 2002), 5 mil adultos jovens (idades: 20-39 anos) que relataram consumir café da manhã tiveram 31% menos probabilidade de sobrepeso e 39% menos probabilidade de ter obesidade em comparação com os que pulavam o café da manhã.
A associação entre consumo de café da manhã e menor risco de obesidade e ganho de peso é sustentada ainda mais pelos resultados de vários estudos observacionais prospectivos e de longo prazo. Um estudo inglês feito com 6.764 adultos mostrou que consumir o café da manhã foi associado a um peso menor em quase quatro anos de acompanhamento. Entre os adultos jovens (18 a 30 anos), o resultado é ainda mais evidente: os que consumiam o café da manhã ganhavam 1,91 kg a menos de peso do que os que raramente consumiam o café da manhã (<4 vezes por semana).
Comer menos à noite traz benefícios?
Comer tarde da noite tem sido associado a um maior risco para a saúde cardiometabólica. Este hábito também está relacionado a maior risco para obesidade. Em estudo, os indivíduos que consumiram 33% ou mais do seu consumo calórico diário à noite tinham duas vezes maior risco de obesidade em comparação com indivíduos que consumiram menos de 33% de seu consumo calórico diário à noite.
Além disso, a combinação de comer tarde da noite e pular o café da manhã associou-se a um maior risco de ter a síndrome metabólica entre adultos de 20 a 75 anos. Curiosamente, foram observados efeitos favoráveis do jejum noturno na resistência à insulina em mulheres que paravam de comer antes das 18 horas e assim prolongavam a duração do jejum da noite.
O impacto dos horários das refeições, particularmente relacionados ao jantar, merece estudos mais aprofundados. As recomendações de limitar o consumo alimentar após as 18h ou 19h parecem ser interessantes para pacientes com resistência à insulina e com sobrepeso. No entanto, devido à complexidade dessa abordagem nutricional, deve-se ter o acompanhamento e prescrição do nutricionista e, eventualmente, o acompanhamento médico nos pacientes com outras doenças.
Referências:
Circulation. 2017;135:e96–e121. DOI: 10.1161/CIR.0000000000000476.
Por: Guilherme Renke
Fonte: Guilherme Renke, Endocrinologista Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte
Transcrito: https://globoesporte.globo.com/eu-atleta/nutricao/post/2020/01/23/combinacao-entre-comer-a-noite-e-pular-cafe-da-manha-engorda.ghtml