Colesterol alto é mesmo o grande culpado das doenças cardiovasculares?
Não é de hoje que o colesterol alto é considerado um vilão para a saúde. E não é à toa, já que sempre ouvimos que é importante mantê-lo baixo para sermos saudáveis. Mas vale dizer que, embora o colesterol alto provoque problemas, em níveis normais ele é fundamental para, basicamente, nos manter vivos.
“Todo mundo precisa de colesterol para funcionar”, afirma Joaquim Custódio da Silva Junior, diretor do Departamento de Dislipidemias da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e professor da FM-UFBA (Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia)
“Ele participa de importantes processos do corpo, como a síntese de hormônios sexuais, além da formação das membranas celulares”, explica. O colesterol ainda atua na produção do cortisol, da vitamina D e dos ácidos envolvidos na digestão de gorduras.
O problema, portanto, não é a existência do colesterol no organismo, mas os níveis elevados dele. Associado a outros fatores, ele aumenta consideravelmente o risco de entupimento de artérias (aterosclerose) que culmina em eventos graves como infarto e AVC (acidente vascular cerebral)
Foto: Reprodução/Internet
Diversos estudos já mostraram isso e tanto sociedades médicas como órgãos reguladores concordam. A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) afirma que o colesterol alto causa cerca de 2,6 milhões de mortes todos os anos e é um dos maiores riscos para doenças cardiovasculares isquêmicas e hemorrágicas.
Mas as opiniões estão longe de serem unânimes. Alguns especialistas discordam de que o colesterol seja o único vilão e argumentam que culpá-lo por qualquer evento cardiovascular é simplificar uma questão maior que vai além do “quanto menor o nível, melhor”
Então, quem tem razão? Conversamos com alguns especialistas para entender
A história da má fama do colesterol
Dois estudos foram cruciais para criar a má fama do colesterol. O primeiro foi publicado pelo fisiologista americano Ancel Keys, na década de 1950, após investigar a razão pela qual americanos bem-sucedidos estavam morrendo de infarto em níveis alarmantes.
Em 1958, o médico apresentou o trabalho com a análise de cerca de 13 mil homens em sete países. Nele, Keys afirma que os maiores índices de colesterol e morte por ataque cardíaco foram encontrados nos países em que o consumo de gordura saturada era mais alto, como EUA e Finlândia.
Suas descobertas culminaram na tese, apresentada para a OMS em 1955, de que a saúde cardiovascular estava diretamente ligada à quantidade de gordura consumida na alimentação, o que viria a influenciar o que comemos por muitos anos a seguir.
Nesse mesmo período, foi divulgado outro importante estudo chamado de Framingham Study. Realizado com mais de cinco mil moradores de Massachusetts, nos EUA, ele também afirma que o colesterol alto é o principal fator de risco para as doenças coronarianas.
Os dois trabalhos são considerados a base das orientações nutricionais que pregam a redução do consumo de gordura saturada. No imaginário popular, a informação se solidificou: uma dieta pobre em gorduras seria o caminho para uma vida mais longa e saudável.
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Muito além do exame de sangue
O que descobriu-se mais tarde é que o valor total do colesterol é composto por diferentes tipos de lipídios. São as frações do colesterol, dentre as quais as mais conhecidas são o HDL (sigla para “high density lipoprotein”, ou “proteína de alta densidade”); o LDL (“low density lipoprotein” ou “proteína de baixa densidade”) e o VLDL (“very low density lipoprotein” ou “proteína de muito baixa densidade”)
E por que entender isso faz toda a diferença? Bem, é justamente o excesso do LDL, o “colesterol ruim” ou “mau colesterol”, o responsável pelo aumento de risco de doenças cardiovasculares ao se acumular de forma perigosa nas artérias. Na mesma linha, o VLDL também é considerado ruim por ter essa mesma capacidade.
Por outro lado, o HDL, o “colesterol bom”, transporta moléculas de colesterol (incluindo o LDL) dos tecidos do corpo para o fígado, evitando que ele se acumule nos lugares errados. Por esse motivo, é considerado protetor da saúde cardiovascular.
Mas nem sempre. Um trabalho apresentado em 2018 no Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia sugere que o excesso de HDL também pode ser prejudicial. A hipótese dos pesquisadores é de que, em alta concentração, ele atue de forma disfuncional, perdendo seu efeito protetor.
A questão sobre o colesterol alto
Como dissemos, quando se fala em colesterol nem tudo pode ser levado à risca. Por isso, nos últimos anos, alguns estudos vêm causando polêmica ao questionar a ligação entre os índices elevados de colesterol e desfechos desfavoráveis para a saúde.
Um deles, de 2016, é uma revisão sistemática produzida pelo pesquisador dinamarquês Uffe Ravnskov. No trabalho, ele afirma que observou indivíduos com 60 anos ou mais com níveis altos de LDL vivendo igual ou mais do que as pessoas com baixo índice de LDL.
Em outra, publicada em 2019, os autores afirmam que não é o LDL, mas uma subclasse dele, o responsável por ataques cardíacos quando em altas concentrações no organismo.
Até o Framingham Study passou a ser questionado. Alguns pesquisadores afirmam que, em uma segunda leitura, fica claro que o nível de colesterol entre aqueles que desenvolveram doenças coronarianas e os saudáveis é basicamente o mesmo.
A exceção seria entre os indivíduos com níveis excepcionalmente altos ou excepcionalmente baixos —o que geralmente é causado por algum problema de saúde específico, como a hipercolesterolemia.
Ou seja, para a maioria das pessoas normais, os níveis de colesterol, sozinhos, não serviriam para distinguir quem vai ou não desenvolver problemas cardiovasculares. Mas, se isso é verdade, por que ele ainda é considerado vilão?
Medicalização em cheque
A principal explicação do perigo do LDL alto é sua capacidade de atravessar o epitélio, algo como o revestimento dos vasos sanguíneos, e entrar na íntima, uma das camadas internas da parede dos vasos.
Ali, uma reação de defesa do corpo provoca uma inflamação que vai resultar na formação de placas de gordura. São essas placas que, quando se rompem, provocam os coágulos responsáveis por infartos e AVCs.
Alguns médicos, no entanto, acreditam que o LDL penetra na parede dos vasos sanguíneos justamente porque o corpo já está em um processo inflamatório crônico causado por outras questões de saúde, criando brechas que permitiram a infiltração do colesterol. Sabe a história de quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? Um tanto parecido.
Ou seja, em condições de saúde que provoquem essa inflamação crônica —como obesidade, diabetes e síndrome metabólica—, o colesterol mais elevado (mas não extremamente elevado) não aumentaria o risco para a saúde nem necessitaria de medicação.
Essa é a opinião do cardiologista Ciro Campos, médico da Unidade de Terapia Intensiva Coronariana do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina.
Para ele, o LDL alto é um marcador fraco para diagnosticar doenças cardiovasculares. Ele ainda critica o excesso de medicalização e questiona o uso das estatinas em pacientes com esse perfil.
“Esse medicamento faz sentido em quem tem níveis altos de colesterol e outros fatores de risco associados”, afirma. “Mas em pessoas com baixo risco e apenas o colesterol alterado, a mudança de hábitos seria uma conduta mais apropriada”, opina.
Campos lembra que outras classes de medicamentos utilizadas para baixar o colesterol não reduziram o risco para eventos cardiovasculares, o que reforçaria a tese de que a inflamação crônica seria a principal causa desse desfecho —no qual o colesterol entra como coadjuvante, não ator principal.
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Um ponto em comum
A maioria da classe médica, no entanto, segue a visão conservadora. “É comprovado que o LDL alto está associado à formação de placas em artérias”, afirma o cardiologista Pedro Farsky, especialista do Hospital Albert Einstein e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, ambos em São Paulo. “Elevações nos exames estão, sem dúvida, associadas a esse risco.”
E é importante dizer que os estudos em que a ligação do LDL com problemas cardiovasculares não parece sólida têm limitações, como serem observacionais e dependerem de questionários preenchidos pelos indivíduos —o que pode ser altamente subjetivo.
No que ambos os lados concordam é que apenas o valor do colesterol —seja ele total ou suas frações— não é suficiente para determinar o real risco para a saúde de um indivíduo.
“Níveis desajustados de colesterol, tanto para mais como para menos, causam riscos à saúde”, afirma a nutricionista Gisele Haiek, especialista em nutrição funcional de São Paulo. “A questão é avaliar junto com esse marcador outros fatores, como o histórico e os hábitos do indivíduo.”
Nessa conta entram a presença ou não de comorbidades como obesidade, gordura visceral elevada, diabetes, hipertensão arterial e síndrome metabólica.
Também leva-se em conta a idade, o histórico familiar do paciente e seus hábitos de vida: alimentação, se é fumante ou não e por aí vai. “Quanto mais fatores associados nessa conta, incluindo o colesterol alto, maior o risco de eventos cardiovasculares”, explica Farsky.
Colesterol subiu. E agora?
Se, após avaliação, o paciente for classificado como de alto risco, é necessário o uso de remédios para baixar o colesterol de forma drástica —abaixo de 70 mg/dl. “Nesse nível, as placas de gordura nos vasos não diminuem, mas ficam estáveis”, afirma.
Se, por outro lado, o risco for baixo, dá para evitar a medicação e partir para mudanças de hábito. O primeiro passo, claro, é olhar a alimentação, já que o consumo de gordura trans e alimentos ultraprocessados tende a piorar o problema.
Mas não é só isso, já que só a alimentação saudável não resolve. “A maioria do nosso colesterol é produzida no fígado, sendo que apenas uma parte vem dos alimentos”, afirma o médico nutrólogo José Ernesto dos Santos, diretor da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia)
Por isso, associa-se ainda a boa e velha prática de exercícios físicos para auxiliar na perda ou manutenção de peso e evitar o excesso de gordura no corpo.
Tudo isso, no entanto, deve ser mantido para o resto da vida. “Quem tem colesterol alto precisa se preocupar com isso para o resto da vida”, afirma Ernesto. “Mesmo que volte ao normal, com ou sem medicação, é necessário manter um estilo de vida saudável e estar sempre vigilante.”
Por: Danielle Sanches
Colaboração para VivaBem
Fonte: Joaquim Custódio da Silva Junior, diretor do Departamento de Dislipidemias da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e professor da FM-UFBA (Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia)
Ciro Campos, cardiologista médico da Unidade de Terapia Intensiva Coronariana do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina
Pedro Farsky, cardiologista especialista do Hospital Albert Einstein e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, ambos em São Paulo
Gisele Haiek, nutricionista especialista em nutrição funcional de São Paulo
José Ernesto dos Santos,médico nutrólogo diretor da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia)
OMS (Organização Mundial da Saúde)
Ancel Keys, fisiologista americano
Uffe Ravnskov, pesquisador dinamarquês