Bicicleta encostada: quando é necessário dar uma pausa nas pedaladas?
Usar a bike com lesões, viroses ou após consumo de bebida alcoólica pode ter impacto sobre a atividade e a saúde. Médica do esporte alerta sobre casos em que ciclista deve evitar pedalar
Se você não sabe em quais situações é hora de dar uma pausa nas pedaladas e deixar a bike em casa, é importante ter atenção. Há casos em que quem usa a bicicleta para esporte, lazer ou locomoção precisa suspender a prática para evitar comprometer a saúde. Pedalar com dores ou lesões pode agravar esses problemas. Já usar a bike no dia seguinte ao consumo de bebida alcoólica aumenta o risco de complicações graves, como problemas renal e cardiovascular e redução do foco e da coordenação motora, tão necessários para quem usa a bicicleta no trânsito ou participa de provas de ciclismo.
Quem gosta de pedalar às vezes tem dificuldades para deixar a bike de lado por alguns dias. Tanto que há pessoas que ignoram os sinais que o corpo dá e usam a bicicleta mesmo com dores e até lesões, por exemplo. Mas é essencial se autoconhecer e reconhecer situações em que é preciso dar um descanso. Médica do esporte e fisiologista do exercício, Karina Hatano faz essa recomendação para ciclistas que pedalam por esporte ou para se locomover em grandes cidades.
– É ótimo e muito incentivado que se pegue a bike e comece a fazer uma atividade física ou tente usá-la para locomoção no dia a dia. Mas o ciclista precisa ter consciência dos seus limites e buscar orientação médica se aparecerem sintomas que não sentia – afirma.
Para ajudar os ciclistas, Hatano alerta sobre os principais casos em que é preciso ter atenção e dar uma pausa temporária nas pedaladas. Conheça!
Dores musculares
Em casos de treinos de alta rodagem, subida ou alta intensidade, é normal que o ciclista sinta dores no dia seguinte. São um indicativo de que há uma adaptação ao exercício, inclusive. Nesses casos, na maioria das vezes, não é preciso deixar a bike encostada em casa. Pelo contrário, um treino de baixa intensidade ou por um período mais curto pode melhorar a dor. Mas há casos em que as dores indicam que passou da hora de dar uma pausa nas pedaladas para uma melhor recuperação e para adequar a periodização dos treinos.
– Se a pessoa pedalou muito ou realizou um treino de alta intensidade e, ao fazer uma pedalada de baixa intensidade ou por um período curto, não consegue por apresentar sintomas semelhantes aos de uma gripe, como dores no corpo e sensação de que ficará febril, não é para pedalar. Esse é um sinal de que é preciso descansar por pelo menos três dias – explica Hatano, lembrando que a recuperação é a parte mais importante do treino.
Esse alerta também vale para pessoas que usam a bicicleta como meio de locomoção. Muitos indivíduos adotam a bike para se deslocar para o trabalho e aproveitar para fazer uma atividade física. Acontece que, muitas vezes, esses ciclistas não se preparam para tanto, seja avaliando suas condições físicas para o exercício ou realizando o bike fit para ajustar sua bicicleta. É verdade que pessoas que fazem essa opção experimentam benefícios como emagrecimento e bem-estar, resultante da liberação de endorfina e serotonina, que também ajudam a mascarar dores. Contudo, como começam a se locomover por longas distâncias e ficam muito tempo sentadas no trabalho, se não estiverem aptas para as pedaladas, podem passar a sofrer com dores de uma hora para a outra e também precisam dar uma pausa.
Gripes
Jamais pedale se estiver com gripe ou outras viroses. Tudo bem que a gripe por si só já não deixa a pessoa animada para a prática de esportes. Mas mesmo que haja disposição, é essencial respeitar o corpo e parar qualquer tipo de atividade física. Gripe exige repouso. A médica do esporte comenta que a pessoa com gripe tem chance de desenvolver uma condição chamada miocardite, que, como o nome sugere, é uma inflamação no miocárdio, músculo do coração. Esse problema pode gerar arritmias e, como pedalar é uma atividade intensa, não é recomendável andar de bike. Espere até se restabelecer totalmente e ter a liberação do seu médico para retomar as atividades com a sua bicicleta.
– As chances de miocardite não são altas, mas o risco existe e pode causar complicações como arritmias. Nesses casos, em vez de deixar de pedalar por alguns dias, pode ser necessário parar por cerca de um mês – completa Hatano.
Ou mais, em caso de evolução para a miocardite.
Dor de cabeça
Esse é um problema recorrente entre ciclistas. A médica estima que cerca de 60% se queixam de dores de cabeça. Nesses casos, não é preciso interromper o treino, necessariamente, mas investigar o que provoca esse problema e realizar o tratamento adequado. O ideal é se consultar com um médico do esporte para o diagnóstico. Geralmente, a dor de cabeça pode ser consequência de tensão no músculo do trapézio ou cervical, excesso de treinamento e baixa recuperação ou até mesmo casos enxaqueca e cefaleia tensional.
Lesões
Muitas pessoas apresentam lesões de baixa a alta complexidades e não se consultam com um médico. Na maioria das vezes, a procura acontece quando a dor se torna insuportável, enquanto que um trabalho preventivo e um diagnóstico rápido poderiam evitar o agravamento do problema. No caso de ciclistas, não é diferente. Por medo de que o médico suspenda o uso da bicicleta, tendem a conviver e treinar com tendinite de joelho, quadril ou lombalgias, lesões mais comuns entre quem pedala. Contudo, manter a prática, nesses casos, pode agravar o problema. Como resultado, o temido afastamento dos treinos pode ser inevitável.
– O quanto antes procurar o médico, melhor. Uma lesão simples, tratável em uma semana, se não for diagnosticada no início, pode se tornar um tratamento longo. No caso de ciclistas profissionais, muitos medicamentos não podem ser usados, por causa de doping, e o tratamento disponível pode não ser tão eficaz, fazendo com que seja necessário o afastamento do esporte temporariamente. É preciso pensar no preço das complicações dessas lesões para o ciclismo e para a vida futura. Ciclistas amadores, profissionais ou quem pedala para ir ao trabalho acabam não pensando na qualidade de vida pós-bike – comenta.
Por isso, em caso de lesões, mesmo simples, consulte um médico. Pode ser um traumatologista ou ortopedista. Mas vale considerar procurar um médico do esporte, que fará adaptações do exercício e apenas em casos mais graves recomendará a interrupção das pedaladas.
Consumo de bebida alcoólica
Ciclistas amadores ou profissionais estão mais sujeitos a desidratação. Isso porque precisam pedalar por mais tempo e longas distâncias e, como querem se sentir mais leves, acabam não fazendo uma reposição de líquidos adequada. Se a pessoa treinar no dia seguinte ao consumo de álcool, cujas bebidas têm efeito diurético, as chances de desidratar aumentam, pois já há uma menor quantidade de líquido no corpo.
– A presença 2% de álcool já é suficiente para alterar a performance. No ciclismo, ainda perde-se muito sal e eletrólitos. A falta de líquidos pode desencadear problemas severos nos rins por insuficiência renal aguda, arritmias e hipertermia. O consumo de álcool aumenta muito o risco desses três problemas, que demandam buscar um pronto-socorro na hora – afirma Hatano, acrescentando que, com o consumo de álcool, a parte muscular não fica em seu estado ótimo e por isso também há um aumento das chances de lesão.
A médica lembra ainda que o consumo de álcool é marcado por duas fases. A primeira é a euforia, no momento da ingestão da bebida. A segunda é a depressão, que tem início cerca de seis horas após o uso de álcool. Nessa fase, a pessoa tem seus sentidos, concentração e habilidade motora, todos tão essenciais para o ciclismo, alterados.
Álcool não combina com pedaladas porque:
1. Aumenta as chances de desidratação, que pode afetar rins e coração;
2. Compromete a parte muscular, deixando-a mais suscetível a lesões;
3. Afeta sentidos, concentração e habilidade motora.
Portanto, vale reforçar:
. Se consumir álcool, não treine nos próximos dias, para não correr o risco de aumentar as chances de desidratação, e faça uma reposição de líquidos adequada;
. Evite pedalar no dia seguinte à ingestão de álcool. As alterações de sentidos, concentração e habilidade motora podem aumentar os riscos de acidentes;
. Considerando os impactos do consumo de álcool sobre o corpo do ciclista, não faça uso de bebidas alcoólicas nos dias que antecedem competições ou mesmo após participar de provas.
Alterações do sono
Se o ciclista dorme mal durante uma noite e no dia seguinte pedala, pode estar sujeito a sofrer lesões musculares. No entanto, se esse comprometimento do sono torna-se frequente e por noites consecutivas, os riscos aumentam e o ciclista pode experimentar problemas como:
1. Queda da concentração e foco;
2. Comprometimento da memória;
3. Redução da imunidade;
4. Aumento dos riscos de lesões.
Caso o ciclista passe a experimentar dificuldades para dormir, é importante consultar um médico de confiança para investigar as causas desse distúrbio do sono e evitar esses impactos para a saúde física e mental.
Alertas adicionais
Embora tenha apontado os principais casos em que os ciclistas devem dar uma pausa nas pedaladas, Hatano, que é médica do esporte e fisiologista de um centro de tratamento nas áreas de ortopedia, reabilitação e medicina do esporte, o Instituto Cohen, faz recomendações adicionais. O objetivo é chamar a atenção para outros aspectos que podem ajudar a melhorar a relação com a bicicleta e evitar esses problemas.
. Conheça os seus limites. Para tanto, é essencial consultar um médico do esporte antes mesmo da vigência da dor. Esse profissional realizará uma avaliação individualizada que permitirá ao ciclista entender e identificar o que é um incômodo normal pós-treino ou sinal de fadiga, por exemplo. Não pense que esse especialista é indicado apenas para quem é atleta profissional e busca performance. No caso de quem pedala no final de semana ou para locomoção no dia a dia, o médico do esporte ajudará a se preparar para a atividade e para que a qualidade de vida esteja em nível ótimo;
. Não ignore dores ou lesões. Procure um médico logo que notar esses problemas. Se tem medo de que o profissional recomende parar de pedalar, consulte um especialista em medicina do esporte. Esses médicos evitam afastar a pessoa do esporte e, quando o fazem, é de forma temporária. É melhor ter esse cuidado logo que sentir dores e lesões do que demorar para procurar ajuda e acabar aumentando os riscos de complicações e de se afastar do esporte por mais tempo;
. Faça o bike fit. Essa técnica permite ajustar a bicicleta ao ciclista e evitar dores e lesões;
. Suspenda a atividade e converse com um médico do esporte se notar uma combinação dos seguintes sinais indicativos de que a recuperação e a periodização das pedaladas não estão adequadas:
1. Dores no corpo semelhantes a um quadro febril;
2. Sensação de que pernas e costas estão travadas, dificultando os movimentos;
3. Piora da qualidade do sono, seja por dormir demais ou pouco;
4. Redução de apetite;
5. Alteração de humor e instabilidade emocional.
. Se for participar de competições, seja de ciclismo de estrada ou mountain bike, consulte um médico para ter certeza de que está tudo bem com a sua saúde e que está apto a fazer uma prova. Essas atividades são intensas e é preciso estar bem para que sejam benéficas. Sem contar que, em provas de mountain bike, especialmente, o acesso a atendimento em casos de emergência pode ser mais restrito;
. Não descuide da sua saúde e mantenha um acompanhamento médico regular, inclusive com médico do esporte, se já participa de provas amadoras ou profissionais. Ciclistas precisam ter um baixo percentual de gordura, o que pode também desencadear uma redução da imunidade. Por isso, esse acompanhamento deve ser regular para evitar fatores de risco e garantir que está tudo bem com a sua saúde;
. Respeite sempre os seus limites. Muitas pessoas que têm problema para controlar o peso acabam encontrando no ciclismo uma forma de vencer essa luta contra a balança. No entanto, trocam a compulsão por comida pelo treino. Cuidado para não cometer excessos que poderão afetar a sua saúde.
Por: Gabriela Bittencourt, para o EU Atleta — Aberystwyth, País de Gales
Fonte: Karina Hatano,Médica do esporte e fisiologista do exercício
Transcrito: https://globoesporte.globo.com/eu-atleta/treinos/noticia/bicicleta-encostada-quando-e-necessario-dar-uma-pausa-nas-pedaladas.ghtml