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Alimentação e exercícios afetam saúde mental em mulheres

Estudo americano aponta que dieta e atividade física devem ser a primeira linha de defesa contra o estresse. Nutricionista, psicóloga e médico do esporte explicam

Exercícios reduzem o impacto de uma alimentação ruim sobre a saúde mental das mulheres maduras. Foi o que concluiu um estudo recente desenvolvido na Universidade de Binghamton, os Estados Unidos, com o objetivo de explorar a associação entre grupos de alimentos, padrões alimentares e exercícios e a saúde mental de homens e mulheres. Ao todo, 1.209 participantes da América do Norte, Europa, Oriente Médio e Norte da África com 30 anos ou mais responderam ao questionário sobre a relação entre alimentos e humor. Dentre as mulheres, as evidências indicaram uma maior associação entre a dieta e o estresse psicológico. Entre os participantes de ambos os sexos, o consumo de fast food e de alimentos com alto índice glicêmico esteve associado a esse problema. Contudo, os pesquisadores observaram que os exercícios regulares podem reduzir seus impactos negativos sobre a saúde mental, especialmente no público feminino. O mesmo vale para a cafeína, que pode contribuir para o estresse nas mulheres que fazem uso em excesso, mas não se exercitam.

Por outro lado, quando elas consumiam frutas, vegetais verde-escuros e peixe e não pulavam o café da manhã, a influência sobre o estresse mental foi menor. E por falar em benefícios, se na dieta havia cereais integrais e oleaginosas, por exemplo, o exercício atuava como um mediador para potencializar seus benefícios sobre o humor. Fora que a ingestão desses alimentos considerados saudáveis também esteve associada a uma maior frequência na prática de exercícios. Baseados nos resultados, os pesquisadores recomendam adotar cuidados customizados com a dieta e o estilo de vida para melhorar a saúde mental. Para entender esse estudo e sua aplicabilidade para a população geral, conversarmos com a nutricionista Juliana Gropp, o médico do esporte Páblius Staduto Braga e a psicóloga Blenda de Oliveira.

O estudo

Para os autores da pesquisa, a dieta e os exercícios devem ser a primeira linha de defesa contra o estresse psicológico entre as mulheres maduras. Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), Blenda de Oliveira reconhece que a atenção ao que se come e a prática regular de atividades físicas impacta sobre o estado mental, como sugere o estudo. Nesse caso, ela pontua que transtornos como ansiedade e depressão, para dar alguns exemplos, demandam um tratamento mais abrangente que contemple todas as variáveis envolvidas nesses quadros. Porém, em se tratando de bem-estar e redução do estresse mental, a associação entre alimentação e exercício pode ter uma influência positiva.

– Não dá para afirmar que se a pessoa faz exercício e tem boa alimentação sua saúde mental estará mais preservada. Há outros fatores, como o sono e a qualidade de vida, incluindo onde a pessoa mora e como mora, que nos dá um cenário melhor dos impactos sobre a saúde mental. Mas essa junção entre alimentação e exercício pode deixar as pessoas menos sujeitas a ansiedade, tristeza e oscilações de humor e dá condições para que passe a se sentir fisicamente melhor. O bem-estar físico e o mental estão interligados. Quando você está melhor mentalmente, procura trazer coisas melhores para a sua vida e passa a comer melhor e se exercitar, e o bem-estar físico também irradia para o emocional – discorre a psicóloga.

Nutricionista pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e especialista em nutrição nas doenças crônicas não transmissíveis pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Juliana Gropp argumenta que o trabalho, traz dados interessantes para reforçar o que outros estudos já demonstram sobre a relação entre alimentação e humor. Segundo ela, essa associação é bem fundamentada, sendo possível afirmar que o que se come pode impactar diretamente sobre a saúde mental, sim. Contudo, a nutricionista opina que a constatação de que as mulheres respondem melhor aos alimentos e são influenciadas positivamente pelos exercícios chama a atenção. Da mesma forma, a observação de que os exercícios diminuem os efeitos negativos e potencializam os positivos da alimentação são evidências interessantes do estudo.

– A pesquisa fala mais do estresse, e não disponibiliza o formulário que os participantes responderam. Mas o estresse e outros fatores de saúde mental e mesmo a depressão têm bastante relação com a alimentação. E um dos principais aspectos é a questão da inflamação. Há diversos estudos sobre o papel da microbiota, das bactérias [da flora intestinal] e da alimentação para prevenir inflamações, que podem ter consequências também sobre o psicológico – observa a nutricionista.

O médico do esporte Páblius Staduto Braga reitera o que os pesquisadores também apontam ao analisar os resultados: as recomendações precisam ser sempre individualizadas. Para algumas pessoas, sair para uma caminhada, por exemplo, pode ser uma medida até para desviar a atenção de problemas e se sentir melhor. Já em relação aos alimentos, há a influência de lembranças da infância e comidas que trazem conforto, como chocolate para muita gente, que orientam suas escolhas. Todavia, sua qualidade e nutrientes presentes, como o estudo também demonstra, podem ser determinantes para que o indivíduo tenha mais disposição para se mexer e consiga experimentar seus impactos positivos para a saúde mental. Depois de comer um prato de feijoada, como exemplifica o médico do esporte, é bem difícil imaginar ter disposição para se movimentar.

– Quando você tem a chance de sair da rotina e nesse contexto tem bons nutrientes ou que fazem sentido para você, considerando se precisa de alimentos específicos, produzirá mais, por se sentir melhor e ficará mais livre do ponto de vista mental também. Mas é preciso que haja personalização para se aproximar do que é mais natural para cada pessoa. Para isso são necessários dados e estudar a pessoa por meio de uma boa anamnese – afirma Braga, que também é especialista em reumatologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e clínica médica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Efeitos dos exercícios físicos

Os pesquisadores observaram que quando essa prática era frequente entre os participantes reduzia significativamente a associação negativa entre alimentos hiperglicêmicos, fast food e carne vermelha e estresse mental. Entre os homens, quando faziam consumo dessas comidas e não se exercitavam, havia uma associação com estresse, enquanto que com atividades leves a moderadas contribuíam para melhorar seu bem-estar mental. Já entre as mulheres, os autores descobriram ainda mais: os exercícios físicos potencializam os benefícios do café da manhã, frutas, vegetais verde-escuros e peixe sobre a saúde mental. A pesquisa também observou que a prática dessas atividades pode mediar uma associação positiva entre cereais integrais, oleaginosas, suplementos multivitamínicos e de óleo de peixe e seu bem-estar.

Os próprios pesquisadores comentam que muitos estudos apontam que os exercícios melhoram a saúde mental significativamente. Contudo, eles avaliam que esse é o primeiro trabalho a propor que determinados grupos de alimentos têm seus efeitos sobre a saúde mental potencializados quando há o intermédio da prática dessas atividades físicas. Ainda de acordo com os autores do estudo é estabelecida uma relação virtuosa entre alimentos saudáveis, aqueles que são assim classificados por garantirem o aporte de carboidratos complexos, aminoácidos essenciais e gorduras como o ômega-3, e exercícios físicos, uma vez que observaram que seu consumo esteve associado a uma frequência maior de atividades.

O médico do esporte comenta que é preciso manter-se ativo. Um exercício moderado já ajuda a proporcionar uma sensação de bem-estar e a gerenciar o percentual de gordura. Para tanto, a pessoa deve escolher o que prefere fazer. Gosta de caminhar ou pedalar? Ótimo. Agora, embora ressalte que movimentar-se é fundamental, Braga afirma que a pessoa pode até exercitar-se um pouco menos, mas deve refletir bem sobre o que come. Por isso, faz um alerta: o fato de que os exercícios físicos após o consumo de fast food e alimentos hiperglicêmicos pode aumentar o gasto calórico e reduzir seus impactos negativos não é uma carta branca para abusar desses alimentos, que são muito ricos também em gordura e pobres em nutrientes. Isso vale especialmente entre indivíduos maduros. Afinal, o metabolismo passa a ficar mais lento e as mudanças hormonais podem aumentar a tendência ao ganho de peso. Segundo médico do esporte, a pessoa deve buscar um equilíbrio para poder viver bem.

– Com exercício, a sensação de saciedade é maior e a pessoa se torna mais seletiva. Até porque ela quer ter resultado e está em evolução. Dependendo do alimento, seu desempenho cairá, especialmente se for uma pessoa madura. O efeito desses alimentos é acumulativo. Não dá pra sustentar esse consumo direto porque o corpo cobrará. A pessoa não deve estar atrás apenas do condicionamento físico, mas do equilíbrio. Ela pode estar bem em relação ao peso, mas apresentar doenças como refluxo e inflamação intestinal [influenciadas pela alimentação]. Tudo o que a gente busca na vida é ser feliz. Mas o ideal é que seja em equilíbrio – explana Páblius Staduto Braga.

Cafeína e exercícios físicos

No caso da cafeína, que pode ter efeito estimulante e aumentar a resposta ao estresse, enquanto também atua para diminuir a fadiga durante o exercício, o estudo aponta que mulheres que consomem grandes quantidades e não se movimentam têm uma maior tendência a experimentar estresse. Já aquelas que fazem esse consumo e praticam atividades físicas são mais propensas a obterem o benefício neuromodulador do exercício, dado que conseguem executá-lo por mais tempo. O médico do esporte endossa que a cafeína está longe se ser uma vilã. Na verdade, de acordo com ele, é uma grande aliada para aumentar a atenção e a disposição no dia a dia.

– Não há problema quando se usa a cafeína na proporção adequada. O problema é quando se consome demais esse agente estimulante e não se coloca o corpo em movimento. Ou quando a pessoa está sempre cansada e precisa da cafeína para conseguir fazer exercício. Se não aguenta treinar e precisa usar a cafeína para conseguir, há um descanso que precisa ser cumprido e não se pode usar o estimulante como meio de alcançar esse objetivo – afirma Braga.

A nutricionista considera que a cafeína é uma aliada de atletas e pessoas que praticam exercícios regularmente. Juliana Gropp lembra que ela não melhorará o efeito da atividade realizada. Ao garantir mais disposição para praticá-la, impactará positivamente sobre a performance. Por isso, a nutricionista afirma que essa é uma das melhores substâncias a ser consumida por atletas no pré-treino.

– Mas é preciso considerar a dose indicada individualmente, pois que as pessoas respondem de forma distinta à cafeína – alerta Gropp.

Dicas para a alimentação

A nutricionista pontua que fast food, alimentos com alto índice glicêmico e carne vermelha são inflamatórios e aumentam esse efeito sobre o corpo. É o caso também dos ultraprocessados, que não são citados no estudo mas também devem ser evitados. Gropp defende uma alimentação mais natural, que inclua também os grupos de alimentos benéficos citados pelo estudo, como cereais integrais, oleaginosas, peixe, vegetais verde-escuros e frutas. Nesse sentido, embora seja preciso individualizar a dieta, ela comenta que a mediterrânea é uma boa referência em termos populacionais.

– Estudos indicam que a dieta mediterrânea tem efeitos na redução do estresse. Já a Mind é muito estudada por reduzir o envelhecimento cerebral – afirma a nutricionista.

Baseados nas evidências apontadas pelo estudo e em outras pesquisas, os especialistas consultados pelo EU Atleta dão algumas dicas para a alimentação.

– Evite o consumo de fast food e ultraprocessados, que ainda são ricos em aditivos deletérios ao organismo. Esses alimentos podem até matar a fome na hora, porém não oferecem nutrientes para o corpo. Com o tempo, pode haver uma deficiência nutricional, além de impactos sobre a saúde geral;

– Procure adotar uma alimentação mais natural. Opte por frutas, legumes e verduras, além de cereais integrais, destacados no estudo. Ademais de uma variedade de nutrientes, como vitaminais e sais minerais, esses alimentos são ricos em fibras, que garantem um bom funcionamento intestinal. Assim, reduzem os riscos de inflamações, melhoram a absorção dos nutrientes e, como demonstra a pesquisa, reduzem também o estresse mental;

– Prefira alimentos com carboidratos complexos, como aqueles integrais, batata-doce, oleaginosas e grão de bico, entre tantas opções;

– Não se esqueça das fontes de proteína. O estudo não recomenda o consumo de carne vermelha. Entretanto, há muitas possibilidades, como frango, peixe e, claro, as leguminosas;

– Privilegie o consumo de gorduras boas, como o ômega-3, presente em peixes e sementes como a linhaça;

– Lembre-se que o clássico feijão com arroz acompanhado de uma salada e uma proteína já garante um bom aporte de nutrientes;

– Evite comer em exagero e repetir ao fazer uma refeição. Busque a sensação de saciedade com uma quantidade menor de alimento;

– Considere consultar-se com nutricionista. Além de ter uma dieta personalizada considerando os seus gostos e objetivos, é possível fugir a medidas que sejam restritivas apenas. De vez em quando, não faz mal comer aqueles alimentos que remetem à sua infância ou algo de que goste muito. Se adora chocolate, por exemplo, ele também deve estar presente em algum momento. Não precisa ser na mesma quantidade, ainda mais se costuma cometer exageros. Mas excluí-los por completo não é recomendado. Se a dieta não considerar o seu paladar, a chance de dar errado é grande;

– Por último, mas não menos importante: cozinhe mais. Para isso, planeje-se para fazer compras e preparar as comidas. Essa realmente é a parte mais complicada. Porém, apenas será assim até que se adapte a essa rotina. Fora que, a partir do momento em que se nota os benefícios dessa prática, há um incentivo a mais para continuar.

Por: Gabriela Bittencourt, para o EU Atleta — Rio de Janeiro

Fontes: Blenda de Oliveira é psicóloga clínica formada pela PUC-SP, psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e psicoterapeuta de adultos, adolescentes, famílias e casais.

Juliana Gropp é nutricionista pela Faculdade de Saúde Pública da USP com títulos de especialista em terapia nutricional enteral e parenteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (Braspen) e em fitoterapia pela Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN). Tem especialização em nutrição nas doenças crônicas não transmissíveis pelo Hospital Israelita Albert Einstein e em nutrição clínica pelo Hospital Sírio Libanês, além de Formação Internacional em Health & Wellness Coaching pela Carevolution Mastermind em microbiota intestinal.

Páblius Staduto Braga é médico do esporte especialista pela Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte e pela Associação Médica Brasileira (SBMEE/AMB) e com especialização em reumatologia pela Unifesp e clínica médica pela PUC-SP. Foi vice-presidente da Sociedade Paulista de Medicina do Exercício e do Esporte (SPAMDE) e editor associado da Revista Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. É diretor do laboratório de ergoespirometria e calorimetria indireta do Hospital Nove de Julho.

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/alimentacao-e-exercicios-afetam-saude-mental-em-mulheres.ghtml

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