Academia é, sim, essencial para quem precisa de supervisão e motivação
Quando trabalhamos com saúde, o fato não pode se misturar com ideologia. Temos que saber separar bem nossa emoção da razão, o que é fato do que nos priva de uma melhor análise. Estamos passando por uma pandemia e, desde o começo, o mundo inteiro experimenta diversas condutas. Estamos no olho do furacão e, nesse embaraçoso contexto, uma grande parcela de pessoas busca o acerto.
O que é mais eficaz para proteger a saúde de todos? Só o futuro nos dirá —sem vieses ideológicos. Por quê? Porque não tivemos tempo de olhar de fora, comparar e analisar com calma. Por mais que estejamos tentando, tudo é uma grande pressão e corrida contra o tempo, é tentativa e erro. Não adianta compararmos o incomparável e projetarmos o improjetável.
Agora posso dizer sobre o que já sabemos, com anos de pesquisas e milhares de artigos. Sim, exercício físico e academia são essenciais e promovem saúde. “Ah, Paola, mas é possível fazer atividade física fora da academia.” Claro que é! Mas a academia traz algumas coisas que nem sempre encontramos ao treinar na rua.
Segurança, por exemplo. É raro, para não dizer impossível, encontrar uma mulher que se sinta segura para fazer uma caminhada sozinha à noite na rua. Mas ao fazer o exercício na esteira da academia ela está segura. E tanto mulheres quanto homens iniciantes na atividade física encontram na academia uma supervisão importante e essencial que, obviamente, não há para quem treina sozinho na rua. Sim, nós, profissionais da educação física (muitas vezes vistos por outras profissões como simples “jogadores de bola”), somos essenciais no conceito mais básico da prevenção de problemas de saúde.
Antes de continuar, quero frisar um trecho do texto da Folha de S.Paulo, publicado na coluna de Bruno Gualano e que cita meu nome —ou pelo menos tenta fazer isso, já que meu nome foi escrito incorretamente.
“O contorcionismo intelectual na defesa de interesses privados em detrimento dos coletivos é uma tônica da epidemia brasileira. O discurso em prol da abertura de academias segue o mesmo roteiro, com um plus de verniz científico. Isso se nota, por exemplo, no raciocínio de Paloma Machado (sic), que em sua coluna do UOL convida o leitor a refletir sobre o oximoro: se a academia pode melhorar tanto a saúde das pessoas, por que esse setor não é essencial?”
Antes de qualquer coisa, meu nome é Paola Machado. Agora, sem meias palavras e sem dificultar muito a linguagem para vocês, antes de qualquer coisa, acredito que o conceito básico científico é pesquisar sobre o autor ao citá-lo.
Mas, vamos lá: meu texto citado é “A contradição entre fast-foods abertos e exercícios restritos”, com a questão central sobre a contradição entre a abertura e essencialidade dos fast-foods (que trazem com eles uma conduta não saudável) e as academias fechadas (que promovem saúde)
No meio do texto trago, sim, uma reflexão sobre a relação entre a obesidade e a inatividade física, conceitos básicos que a própria OMS traz e reforça ano após ano. Pois o fechamento de academias tende a impactar nisso.
Mas, em seu texto, Gualano tem outra visão: “Como a esmagadora maioria da população brasileira sequer tem acesso à academia, não seria seu fechamento que determinaria o agravamento da inatividade. Ademais a despeito das restrições de circulação, é plenamente possível manter-se ativo. Atividades ao ar livre, com distanciamento, são seguras. Há também o treinamento em casa, modalidade com novos adeptos durante a pandemia e que produz bons resultados.”
De acordo com dados apresentados pela agência Fapesp e no meu texto anterior, “nos primeiros meses de confinamento houve redução de 35% no nível de atividade física e aumento de 28,6% nos comportamentos sedentários, como passar mais tempo sentado e deitado, além de maior ingestão de alimentos não saudáveis”
Será mesmo que o fechamento das academias não influencia no aumento de hábitos sedentários? Estudos apontam que sim, como já citei no outro texto. A academia não é só um ambiente que promove saúde, mas também é um ambiente motivador e que para muitos traz segurança, como já falei.
Além do mais, o isolamento durante a pandemia de covid-19 afetou a alimentação e o consumo de delivery aumentou em 94%. De acordo com dados publicados por uma pesquisa de Unicef/Ibope, houve um aumento no consumo de alimentos industrializados em 31% dos entrevistados, de fast-foods em 20% e 19% de refrigerantes.
Como já sabemos, a relação balanço energético é bem lógica —não um “salto lógico” e, com certeza, Aristóteles pensaria e leria diversas vezes antes de pontuar essa questão.
Com o aumento do consumo de delivery e ultraprocessados, aumento da inatividade (sim, houve um aumento juntamente com o fechamento das academias, já que muitas pessoas precisam de supervisão para sentir-se motivados e o baixo percentual ativo tornou-se um grande percentual inativo); aumentamos diversas comorbidades associadas ao sedentarismo.
Porém, Gualano afirma que academias fechadas não representam uma condenação ao sedentarismo pois, além de treinar na rua ou em casa, a população tem as chamadas atividades não estruturadas.
“O deslocamento a pé ou de bicicleta e as tarefas domésticas, por exemplo, gastam energia e trazem benefícios. Como se vê, o fechamento temporário das academias não representa uma condenação ao sedentarismo.”
1. Sim, a OMS e ACSM mostram a essencialidade da prática de atividades físicas diárias (não estruturadas) e da prática de exercícios físicos (treino/esportes) para melhora cardiovascular, metabólica e de saúde em geral. Esta última conta com sequência de exercícios de fortalecimento/musculação, além de uma rotina de treinamento supervisionada –quem não tem como pagar um personal, supervisiona como treinando sozinho na rua ou em casa?
2. Temos um percentual enorme de pessoas que sofrem de obesidade, hipertensão, diabetes, problemas ósseos –tirando toda carga de estresse do momento. Essas pessoas precisam de supervisão profissional de perto e, com a dificuldade financeira da atualidade, muitos não têm acessibilidade de contratar um personal –já não tinham antes, imaginem agora– e contam com o ambiente de academia como estratégia de segurança, orientação e supervisão para combater importantes patologias, consideradas de alto risco no controle a covid-19.
3. Além do mais, de acordo com a OIT (Organização Internacional de Trabalho ), o Brasil conta com a maior população de domésticas do mundo e continua com um número crescente de sobrepeso e obesidade –será mesmo que só fazer tarefas domésticas pode ser suficiente? Vale lembrar ainda que o treino na academia promove bem-estar, ajuda a relaxar e a combater o estresse, a ansiedade e a depressão. Muito provavelmente, nem todos têm esses benefícios ao fazer atividades não estruturadas como lavar uma pilha de louças ou varrer a casa.
4. Como sabemos, atividade física e exercício físico são complementares, sendo necessário realizar exercício físico e, ainda, ter uma vida ativa. Muitos não se motivam, não tem êxito nos treinos sozinhos e não sabem como começar. Estudos mostram que “apesar dos relatos na literatura de que tanto a atividade física no tempo livre (AFTL) quanto a atividade física no deslocamento (AFDESL) promovem benefícios à saúde, estudos comparando a associação desses domínios da atividade física com escores de risco cardiovascular são escassos”
Gualano finaliza seu artigo dizendo que “a falácia da essencialidade da academia, deveras, atende a anseios corporativistas, mas não da população.”
Vendo os dados —que já sabemos e são óbvios—, a prática de exercício físico, de acordo com estudo da UERJ, diminui em 34% o risco de internação por covid, pois reduz os receptores de ECA 2 e diminui ações inflamatórias no corpo, que também contribuem para as complicações da doença.
Além disso, o padrão alimentar tem uma interferência gigantesca no seu estado de saúde, pois alimentos considerados inflamatórios (fast-foods e ultraprocessados, por exemplo) contribuem para o aumento de citocinas inflamatórias no seu corpo —que também aumentam com a covid-19.
O fato é: fast-foods estavam abertos enquanto as academias permaneciam fechadas. Quais aqui são os anseios corporativistas? Quais são os anseios para a população?
Referências:
– Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: https://www.ilo.org
– Global recommendations on physical activity for health (WHO). Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241599979
– Pitanga FJG, et al . Leisure-Time Physical Activity, but not Commuting Physical Activity, is Associated with Cardiovascular Risk among ELSA-Brasil Participants. Arq. Bras. Cardiol. São Paulo , v.110, n.1, p.36-43, 2018.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do saudevitalidade.com
Por: Paola Machado Colunista Colunista do VivaBem
Fonte: Paola Machado é formada em educação física, mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutora em ciências da saúde (foco em fisiopatologia da obesidade e fisiologia da nutrição) pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre exercícios, nutrição e saúde. CREF: 080213-G | SP
Transcrito: https://www.saudevitalidade.com/quais-os-efeitos-de-fazer-exercicios-em-ambientes-poluidos/