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A que horas devo treinar para dormir melhor?

Estudo aponta que exercícios feitos até duas horas antes de se deitar ajudam no combate à insônia. No entanto, quando feitos muito perto do horário do sono, o efeito é contrário

Um novo estudo publicado no jornal científico PubMed mostra que quando a pessoa termina de se exercitar pelo menos duas horas antes de se deitar, o exercício ajuda no combate à insônia e na boa qualidade do sono. No entanto, se a pessoa se exercita muito perto de dormir, o efeito é contrário. Isso ocorre porque o exercício aumenta a temperatura corporal e libera o cortisol, hormônio de estresse. Isso não quer dizer que se exercitar seja estressante, mas sim que é uma atividade que produz um estímulo para o corpo, fazendo com que o cortisol seja liberado. Além disso, se feito à noite, perto da hora dormir, esse exercício sob intensidade luminosa bloqueia a liberação da melatonina, hormônio que facilita o início do sono. Para entender melhor como a prática física pode interferir em como dormimos, o Eu Atleta conversou com a especialista Monica Andersen, biomédica e diretora do Instituto do Sono.

O estudo

Este estudo feito por pesquisadores da Universidade de Concordia, no Canadá, trata-se de uma meta-análise (técnica estatística que integra os resultados de dois ou mais estudos independentes, sobre um mesmo tema) que avaliou os dados de 15 outras pesquisas sobre sono e exercício. Foi analisado, então, como uma sessão de exercícios intensos pode afetar pessoas de meia-idade e jovens adultos saudáveis quando feito poucas horas antes de dormir.

Para fazer a análise estatística, foram examinadas variáveis ​​como a hora em que o exercício era praticado (começo ou final da noite) e o tempo entre a finalização da atividade e a hora de dormir (menos de duas horas, cerca de duas horas e duas a quatro horas). Outras variáveis importantes também foram levadas em consideração, como nível físico dos participantes (sedentários ou ativos fisicamente), intensidade do exercício e duração dos mesmos.

Como resultados, os pesquisadores relataram que:

– Quando os exercícios terminavam duas horas antes de dormir, havia benefícios para o sono, incluindo a promoção do início do sono e aumento da duração do mesmo;

– Quando o exercício terminava menos de duas horas antes de dormir, houve uma demora maior para que os participantes pegassem no sono, e a duração desse sono sofreu uma diminuição;

– O exercício de alta intensidade feito no início da noite, mais de duas horas antes do momento de deitar, promoveu o início do sono e melhorou a duração do sono, especialmente quando realizado por indivíduos sedentários;

– Exercícios de alta intensidade com duração entre 30 e 60 minutos melhoraram o início e a duração do sono;

– Os exercícios de ciclismo beneficiaram os praticantes em termos de início e sono profundo;

– Os exercícios de alta intensidade, independentemente do tempo de duração, contribuíram para uma ligeira diminuição no estágio de movimento rápido dos olhos (REM, sigla em inglês) do sono — estágio que é comumente associado a experiências de sonho.

– – Fazer exercício físico de alta intensidade à noite, de meia hora até quatro horas antes da hora de se deitar, diminui esse sono dos sonhos, que é tão importante para consolidação da memória, para o bem-estar, para a concentração e até mesmo para evitar acidentes. Em resumo, o sono REM confere um bem estar físico e psicológico ao nosso corpo e aos nossos dias – ressalta Monica Andersen.

Como o exercício combate a insônia

De acordo com Monica Andersen, são três as principais formas da insônia (antes de iniciar, manter ou despertar de forma precoce), as quais são atenuadas por ações chamadas como higiene do sono e medidas de intervenção. Uma das medidas de intervenção contra a insônia é o exercício, assim como a concentração plena (mindfulness) e outras formas de relaxar, como ioga, pilates e uma atividade que a pessoa goste muito (ouvir música, ler, assistir TV, etc).

– O exercício, particularmente, traz para a pessoa uma plenitude, uma sensação de bem-estar e reduz o hormônio de estresse, o cortisol. Por isso, o exercício feito de forma prazerosa ajuda muito no combate à insônia. Agora, se uma pessoa gosta muito de correr, pratica a corrida há muito tempo e não gosta de fazer, por exemplo, ioga, não adianta indicar esse tipo de atividade só porque é uma medida conhecida por relaxar, ou seja, desse modo, não haverá uma atenuação dessa insônia. É importante que a pessoa se sinta bem para introduzir também endorfinas, as quais dão uma sensação de bem-estar no cérebro, reduzindo a atenção, relaxando a musculatura e proporcionando o sono – explica a biomédica e especialista em sono.

Por outro lado, Monica ressalta que o exercício físico não pode ser feito imediatamente antes de iniciar o sono, devendo haver um intervalo de pelo menos duas horas antes da hora de dormir. Mas por quê, afinal? A especialista destaca que, assim como o exercício pode melhorar a insônia, ele pode prejudicar o início do sono.

– Vamos imaginar alguém indo para uma academia às 23h, passando 01h15 ali sob luz intensa e sofrendo um aumento em sua temperatura corporal (o exercício faz isso). Essa pessoa chega em casa, come um lanche, toma um banho e provavelmente irá ter dificuldade de iniciar o sono. Isso ocorre pois quando o exercício é feito à noite, perto da hora dormir, sob intensidade luminosa, há um bloqueio na liberação da melatonina, hormônio que facilita o início do sono. Com isso, há vários fatores que arrastam o início do sono para mais tarde. Portanto, temos que escolher um horário apropriado para esse exercício e lembrar que tanto ele tem uma modalidade de propiciar a melhora da insônia como, se feito de uma forma não indicada, pode prejudicar o início do sono – aponta Andersen.

A recomendação é para que os exercícios sejam realizados de manhã, de tarde ou próximo do entardecer. Durante à noite, o ideal é reduzir a intensidade luminosa do ambiente, fazer atividades mais relaxantes e reduzir o hormônio de estresse (cortisol). Algumas dicas da especialista para colocar isso em prática incluem:

– Evitar discussões e conflitos familiares;

– Fazer meditação ou atividades prazerosas, como ouvir música, perto da hora de dormir;

– Estar próximo das pessoas que gostam;

– Afastar-se dos dispositivos eletrônicos duas horas antes do início do sono.

Melatonina

A melatonina é produzida a partir do entardecer, e não se trata do hormônio do sono, como erroneamente as pessoas dizem. Ela é o hormônio da escuridão. Se a melatonina fosse, de fato, o hormônio do sono haveria uma cura para a insônia. Bastaria uma pílula de melatonina e as pessoas dormiriam, o que não procede. O que esse hormônio faz é facilitar o sono.

– Vamos imaginar que a pessoa está saudável, bem e acabou de receber a notícia às 22h que alguém que gosta muito está internado em estado grave. Adianta receitar uma pílula de melatonina? Não, pois a pessoa está sob estresse intenso, com uma agitação do cérebro (agitação cortical) e não vai ser a melatonina que vai induzi-la ao sono. O que pode acontecer é às 3h da manhã, já em um estado de sonolência e de cansaço físico, psicológico e mental, a pessoa tomar melatonina para ser um empurrão para aquele sono que viria dali uns minutos, dali uma hora. Portanto, a melatonina facilita algo que já deveria acontecer – enfatiza Monica Andersen.

Por ser um hormônio da escuridão, não adianta uma pessoa, às 23h, quando o ambiente está escuro lá fora, estar debaixo de uma luz intensa da academia com uma música forte (porque a academia é justamente um ambiente para ter uma estimulação cerebral, para te estimular a fazer exercício). Se a pessoa estiver sob luz intensa, há um bloqueio da melatonina, a qual facilita o sono. Desse modo, ao chegar em casa 00h30, tomar banho e comer algo, a pessoa do exemplo irá deitar na cama, mas será muito difícil relaxar, pois ela acabou de bloquear aquele hormônio que dá o empurrão para o início do sono.

– A melhor coisa é fazer atividade física sob essa luz intensa da academia ou em um ambiente externo até o entardecer. Asim, você consegue fazer com que a melatonina que é naturalmente liberada no entardecer seja produzida nas concentrações ideais – recomenda a especialista.

A importância do sono para a prática física

Afinal, por que o sono é importante para a saúde? E como ele pode melhorar ou piorar a performance física, dependo de sua qualidade e quantidade? De acordo com Monica Andersen, o sono é o principal fator de indução ao equilíbrio interno — chamado de homeostase. Então, ele equilibra todos os neurotransmissores (substâncias cerebrais), bem como os hormônios e, assim, todo o bem-estar. O sono faz com que tenhamos a recuperação de fibras musculares e o equilíbrio na produção entre o estresse e o bem-estar, reduzindo o cortisol.

Muitas pessoas estressadas relatam que, depois de fazer atividade física, sentem-se até aptas a resolver problemas, porque na hora que diminui o estresse, é possível vislumbrar o cenário de uma questão problemática com mais facilidade. E em relação ao exercício físico particularmente, cabe ressaltar que o sono age recuperando as fibras musculares e fazendo a restauração da fadiga causada pela atividade realizada, proporcionando um desempenho físico melhor.

– Antigamente, as pessoas falavam que o atleta tinha que treinar, treinar, treinar, treinar. Hoje, qualquer profissional da área do exercício sabe da importância do repouso. Tão importante quanto treinar é esse repouso induzido por um sono de qualidade. O cérebro que dorme bem é um cérebro que proporciona um corpo apto a fazer atividade física com exuberância. No caso de atletas de alta performance, como o nadador multicampeão Michael Phelps, é necessário um sono de qualidade, porque é no momento em que se está dormindo que ocorre a restauração dos equilíbrios e dos desgastes internos, bem como do estresse oxidativo, que é a ferrugem. Quando não dormimos bem, “enferrujamos” o nosso corpo, ou seja, produzimos substâncias que danificam os órgãos. E o sono normaliza isso, evitando que seja preciso tomar substâncias para diminuir esse estresse oxidativo dentro do organismo – explica a diretora do Instituto do Sono.

Assim como o sono de qualidade beneficia a performance física, o treinamento praticado de forma regular e com boa orientação propicia uma melhora do sono. Ele induz uma gratificação cerebral, que é essa plenitude do bem-estar e da liberação de endorfinas, portanto, a pessoa terá um sono de melhor qualidade, pois reduziu o hormônio de estresse e normalizou seus neurotransmissores também relacionados com agitação.

– Nessa fase que estamos de pandemia, por exemplo, temos a liberação de substâncias excitatórias, como a noradrenalina, hormônio que transmite sinais nervosos que ajudam a regular funções cerebrais importantes como humor, concentração, atenção e memória. Então, o que o sono de qualidade faz? Reduz isso, e o exercício físico também atenua a liberação dessas substâncias cerebrais de estresse. Com isso, tem-se um sono de melhor qualidade que leva a um desempenho físico melhor. E o desempenho físico melhor faz com que, de novo, você reverta no sono de melhor qualidade. É uma relação de benefícios mútuos. Nem sono em excesso, nem exercício em excesso fazem bem. Deve-se dormir com qualidade e quantidade de horas ideal, lembrando que essa quantidade varia de pessoa para pessoa e que não existe segredinho. E associar o exercício físico com o sono é um bom caminho para ter uma vida mais feliz – ressalta Andersen.

Não há receita pronta

Há pessoas que fazem exercício à noite e se sentem melhor, bem como há pessoas que, se fazem exercício no período noturno, não conseguem iniciar o sono. Portanto, não há receita pronta ou fórmula mágica. Embora a revisão feita no estudo aponte para que a prática física quando feita poucas horas antes de dormir atrapalhe a indução ao sono, Monica ressalta que é preciso analisar os casos individualmente.

– Se tem uma pessoa que vai para academia às 18h, sai de lá umas 19h30, chega em casa toma um banho, come e se sente bem, está dormindo bem e acorda com bem-estar, não há problema nenhum. Se ela faz exercício à noite, relaxa e acorda de manhã superdisposta, mesmo que o exercício tenha sido realizado em um horário que não é o mais indicado, não faz mal. Agora, se a pessoa fez exercício às 19h vai dormir só às 23h porque não consegue iniciar o sono, afinal, a temperatura corporal foi elevada por causa do exercício, é recomendado que se mude os hábitos de treino. Antecipe esse exercício para 18h ou para a hora do almoço, por exemplo. Essa mudança será muito mais produtiva em termos fisiológicos. Então, sempre temos que pensar: “o que eu posso fazer para levar um sono de qualidade no meu dia a dia?” – destaca a especialista.

Mas, afinal, o que seria acordar com bem-estar? Anderson explica que é, primeiro, não precisar de estímulos para despertar, como alarme. Quando a pessoa precisa de um estímulo externo, é sinal de que o sono ainda não acabou. Se a pessoa acorda e sente que “nossa, passou um caminhão em cima de mim, queria ficar dormindo, que preguiça de levantar”, é sinal de que o sono não está de boa qualidade e nem de quantidade ideal.

Por: Marina Borges, para o Eu Atleta — Bauru, São Paulo

Fonte: Monica Andersen é biomédica, professora livre docente da disciplina de Medicina e Biologia do Sono do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora do Instituto do Sono.

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/a-hora-do-treino-afeta-a-qualidade-do-sono.ghtml

 

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